Foto: Vagner Espeiorin

Onde a Amazônia começa e o Nordeste termina

VAGNER ESPEIORIN | vaespeio@ucs.br

Localizada na Baixada Maranhense, numa região de transição entre biomas, Monção tem mais de dois séculos de história, um povo acolhedor e muitas carências a serem sanadas

Não passava das 16h, quando os raios do sol batiam pela janela da Escola Rural Familiar de Monção. Na sala escura, a luz ia direto aos rostos atentos dos estudantes que acompanhavam a oficina. Além da movimentação atípica no colégio, chamava a atenção a estrutura defasada. Nas paredes, a tinta desbotada, associada à penumbra, intensificava a impressão de abandono. Não era apenas aparente. Mantida pelo governo do Estado, a Escola Rural Familiar carece de recursos. Os próprios alunos sofriam com a falta de alimentos, antes repassados pelo município, mas que, por motivos financeiros, deixou de fazer a remessa.

O local de ensino é apenas um dos indícios das dificuldades de Monção. No município, oito alunos e duas professoras da UCS se inseriram em janeiro. As férias foram deixadas de lado para que ações voluntárias do Projeto Rondon pudessem transformar a realidade da cidade que tem pouco mais de 30 mil habitantes - 12 deles no meio urbano. Durante 15 dias, eles se ambientaram com temperaturas de 40°C, com ritmos como o tecnobrega e reggae, e com uma umidade alta, típica para uma cidade encravada entre a Caatinga e a Amazônia, numa região chamada de Floresta de Babaçu.

O nome se deve à oferta intensa do coco que já foi o principal produto extraído ali. Da casca do babaçu, fazia-se o carvão; da amêndoa, um óleo que é utilizado na indústria cosmética. A extração caiu em desuso, ainda na década de 1980. Muito tempo antes, a cana-de-açúcar já havia deixado suas marcas.

Foi a cana que fez de Monção uma cidade próspera, ainda no século XIX. Foi o fim do ciclo produtivo da cana no século XX que estagnou a circulação de capital na localidade. A economia fraca gerou índices de desenvolvimento humano extremamente baixos. O IDH em Monção é de 0,546; inferior a 0,600 - número considerado razoável. Ao dado preocupante se somam a inexistência de saneamento básico, a vulnerabilidade de jovens em relação às drogas e as precárias condições de saúde.

Estímulo ambiental

Era para auxiliar na rotina de trabalho no meio rural que as acadêmicas de Engenharia Ambiental Carolina Soldatelli Zardo e Geovana Zandoná Sartori explicavam aos alunos da Escola Rural Familiar como se faz uma composteira. A compostagem era desconhecida pelos estudantes do colégio agrícola. Pela técnica, o material orgânico, antes descartado, passa a ser um aliado na adubação dos terrenos. Da Biologia, Michel Mendes e William Lando davam um apoio na tarefa. Durante a primeira semana do projeto, os dois desenvolveram junto à escola ações de educação ambiental.

"A adequação das atividades para o contexto local foi um desafio. A ausência de condições básicas dificultava as abordagens", explica Michel. Apesar dos imprevistos, era impossível não notar os olhares atentos de quem acompanhava as oficinas. O público absorvia com afeto os conteúdos trabalhados pelos acadêmicos. Se faltava infraestrutura, sobrava acolhimento. Se os serviços públicos eram ineficazes, o carinho com que os rondonistas eram recebidos compensava.

A estudante de Engenharia Civil Geise Macedo dos Santos que o diga. No Maranhão, ela deixou de lado os cálculos matemáticos e fez uso de habilidades manuais. A oficina de Corte e Costura foi uma das mais disputadas. Chegava a ter fila de espera. A jovem precisou abrir uma turma noturna para dar conta da demanda. Geise recebeu o carinho das alunas que por mais de 10 encontros a acompanharam diariamente.

"Durante as aulas, elas demonstraram o interesse de criar uma cooperativa de costura e artesanato para que pudessem obter mais renda", frisa. As alunas de Geise evidenciavam uma tentativa da população em melhorar de vida, em buscar uma forma de empreender e de movimentar a economia local.

"Trata-se de um município carente. Às vezes, dava a impressão de estar mesmo esquecido, principalmente as comunidades rurais. São pessoas simples, hospitaleiras e que têm sede de informação, querem melhorar de vida, apenas não encontram oportunidades", analisa a professora Aline Maria Trindade Ramos, do curso de Direito, do Campus Universitário de Vacaria. Ao lado da professora Gisele Cemin, elas coordenaram as ações do grupo. Além da orientação, elas ficavam responsáveis por incentivar os rondonistas diante das dificuldades.

"O papel do professor é de coordenar mesmo. As oficinas e as atividades, na prática, são elaboradas e desenvolvidas pelos acadêmicos e isso é importante para eles. A autonomia é parte essencial na operação", contextualiza Gisele.

Vila Esperança

A localidade no interior de Monção não poderia ter nome mais apropriado. Era com esperança que Fernanda Cardoso Setti, da Engenharia de Controle e Automação, acolhia nos braços uma menina que não aparentava mais que seis anos. A pequena lhe pedira se não havia um espaço na mala da estudante caxiense. O objetivo era seguir viagem com a estudante; o de Fernanda - e de cada uma dos rondonistas - era melhorar a vida coletiva da população e semear alternativas para que aquela criança pudesse seguir por um caminho melhor.

Ex-presidente da UCS Empresa Júnior, Fernanda não teria problema em acolher a criança em sua casa. Possivelmente, o faria com todos os monçonenses. Mas seu trabalho ali tinha como objetivo garantir sustentabilidade à comunidade. Ela levou para Monção o ímpeto de desenvolver o empreendedorismo social e promoveu oficinas para quem pretendia criar ou manter um negócio. Deparou-se com uma dura realidade, mas se surpreendeu com o empenho dos moradores.

"As pessoas têm uma capacidade de mostrar criatividade, pensar em negócios e de propor melhorias, mesmo em ambientes carentes. Eles buscam alternativas para melhorar a comunidade", constata.

Foi o foco em otimizar as condições da saúde pública que levou a estudante de Enfermagem Adriane Kappes a Monção. Da unidade básica de saúde aos hospitais, ela seguia pela cidade com o objetivo de ensinar sobre os cuidados necessários em ambientes de saúde. Destinação de resíduos, higienização, cuidados ao lidar com materiais hospitalares eram mais que uma preocupação da estudante, eram uma situação preocupante em Monção.

Além das oficinas para servidores e gestores municipais, Adriane fez atendimentos de saúde à população. Na tarefa, ela ganhou a companhia de oito rondonistas da Universidade Federal da Grande Dourados, do Mato Grosso do Sul. Estudantes de Medicina, eles desenvolveram um eixo temático paralelo ao da equipe da UCS. Durante os 15 dias, os dois grupos dividiram o mesmo alojamento e também realizaram todas as atividades em parceria. Uma dessas ações ocorreu na comunidade quilombola do Jutaí.

Na localidade, os acadêmicos William Lando, da UCS, Camila Koike e Luis Eduardo Silva Ormonde, da UFGD, vestiram-se de palhaços e animaram as crianças. Além das atividades culturais, o grupo de rondonistas fez rodas de conversa sobre meio ambiente, prestou atendimento em saúde e ensinou os membros da comunidade a produzir sabão.

Para chegar à comunidade, o grupo embarcou de conoas para percorrer o rio Pindaré. O percurso de 30 minutos teve um sabor especial para o estudante de Direito Vagner Espeiorin. Na comunidade, ele entrevistou José Ribamar Pinheiro, de 73 anos. Descendente de escravos, o quilombola guardava na memória as narrativas deixadas pela bisavó.

Histórias de fuga de escravos, de confusão envolvendo os donos de engenho e o terror com que os negros eram tratados marcavam as memórias do pescador. Apesar de não ter vivido a época do engenho, ele era capaz de senti-lá.

"Sempre tive amor pelo cheiro da cana. Não cheguei a trabalhar com a cana. Mas, de qualquer maneira, o cheiro da cana ficou sobre o pó da terra, eu senti e criei esse amor", diz Ribamar, ao demonstrar apego à comunidade em que nasceu.

"Narrar a sua história é falar da sua identidade, é valorizar a sua cultura, é ter orgulho de quem se é. Contem a sua história. Esse foi o pedido que fiz à população, quando encerramos a operação no município", frisa o acadêmico que com os depoimentos de moradores históricos de Monção editou, em parceria com a alunos da UFGD, um minidocumentário. A peça foi exibida ao público na última atividade com os habitantes do município. Associada à apresentação do coral de crianças da oficina de musicalização, o evento de encerramento levou ao choro a comunidade e os rondonistas. Choro de final feliz.

Rondonistas que participaram do Projeto.



Revista UCS - É uma publicação bimestral da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por conhecimento.

O texto acima está publicado na décima sexta edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.

Veja outras matérias da Revista.