“A literatura é um direito humano fundamental”, destaca, em entrevista, Delcio Antonio Agliardi.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 18/09/2019 | Editado em 25/09/2019

A eleição como patrono da 35ª Feira do Livro de Caxias do Sul não alterou a rotina do professor Delcio Antonio Agliardi, que divide seu tempo na Universidade de Caxias do Sul entre as atividades de docência nos cursos de graduação, extensão e pós-graduação, a coordenação do Programa UCS Sênior – Educação e Longevidade, e a coordenação pedagógica do Programa Regional de Ação Conjunta Universidade/Município, responsável pelas ações voltadas para a formação continuada de professores da rede pública e privada da região de abrangência da Universidade.

Doutor em Letras, mestre em Educação e Licenciado em Filosofia, Delcio começou este ano uma segunda Licenciatura, desta vez na área de Letras, ampliando assim uma trajetória pessoal e profissional dedicada à educação e à cultura. É autor dos livros: Duetto Poético, Rotas do Imaginário, A Coruja de Pernas Tortas e A Caixa Dourada.

“Encontro na criança e no idoso tudo o que há de melhor na vida: afetividade e hospitalidade”.

Às voltas com o encerramento de mais um período letivo, com o lançamento do livro A Caixa Dourada e da 2ª edição, em versão brasileira, do livro A Coruja de Pernas Tortas – a primeira edição foi lançada por uma editora portuguesa – e com a organização da Feira do Livro, Delcio concedeu uma entrevista à revistaUCS, em que reafirma seu amor pela educação, pelo livro, pela literatura e pela poesia.

Com o tema “Você é o que você lê”, a 35ª Feira do Livro de Caxias do Sul ocupará a Praça Dante Alighieri, de 27 de setembro a 13 de outubro.

 

Quando, e como, o livro entrou na sua vida? O que você está lendo e quem são seus autores favoritos?

– Minha primeira experiência de leitor, na infância e antes da escola, se deu por intermédio da literatura oral. Fui para a escola aos 7 anos de idade já sabendo ler. Aprendi a ler em casa com o incentivo da família. Escrever veio depois. Na minha casa tinha poucos livros, por isso valorizava-os muito. Com a alfabetização e a escolarização, a leitura e a escrita assumiram intensidade e maior significado, tanto na formação geral como na formação do gosto literário. Tive sorte na vida escolar: meus professores eram leitores. A literatura brasileira é potente e a poesia meu gênero preferido.

Estou lendo Ironias do Tempo – livro de crônicas de Luis Fernando Veríssimo, organizado por Isabel e Adriana Falcão (Objetiva, 2018) e Conc(s)erto em dó maior para perdas do espanto – livro de poesia de Delmino Gritti (Maneco, 2009). Meus autores preferidos são: Bartolomeu Campos de Queirós, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Adélia Prado, Manoel de Barros, Cecília Meireles, Guimarães Rosa, Luis Fernando Veríssimo, Caio Fernando Abreu, Rubem Braga, Italo Calvino, Edgar Allan Poe, Mario Vargas Llosa, Jorge Luis Borges. Queria poder citar outros tantos, mas a lista ficaria muito grande.

Na sua trajetória de vida, a criança e o idoso têm um lugar especial. Um lugar mediado pela sua atuação profissional, política e social, mas também pela literatura e pela poesia. De onde vem e para onde se direciona esse interesse?

– A radical opção pelas humanidades. Encontro na criança e no idoso tudo o que há de melhor na vida: afetividade e hospitalidade. A criança consegue extrair de um pequeno texto uma rica experiência de leitura e o idoso sabe, como ninguém, o lado simbólico de estar no mundo. O viver e sonhar, de Hamlet, tem potência para (re)significar a velhice.

Escrever sempre esteve nos seus planos? Qual o papel do Doutorado em Letras, concluído em 2016, nesse processo? Pra quem você escreve?

– Escrever é fantástico embora difícil. A literatura infantil exige mais por conta da especificidade do leitor (pré-leitor ou leitor em formação). No passado, escrevia e deixava os textos autorais na gaveta ou em arquivos digitais. Um dia decidi que deveria publicá-los, ou melhor, “retirá-los da gaveta”, expressão essa utilizada por Luis Fernando Veríssimo.

O Doutorado em Letras foi pautado pela pesquisa. Investiguei as experiências de leitura de jovens e adultos no Ensino Fundamental para afirmar e compreender a literatura como um direito humano fundamental. Analisei o uso dos livros disponibilizados pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), enquanto política pública de incentivo à formação de leitores na escola. Minha orientadora, a professora Dra. Flávia Brocchetto Ramos, exerceu influência literária em diálogo com a pesquisa. Serei eternamente grato aos professores e à orientadora do Doutorado em Letras (PPGLet/UCS-Uniritter).

Eu escrevo para crianças, preferencialmente. Mas também gosto de escrever para adultos, sobretudo poesia e narrativa breve. O melhor livro é aquele que está em uso!

O que significa ser escolhido Patrono da 35ª Feira do Livro de Caxias do Sul?

– Significa um sinal para alguém que vive a experiência docente e de gestão na UCS, na Área de Conhecimento de Humanidades, sem perder o vínculo com a educação básica e com os projetos de inclusão social pela arte. Por isso, é um sinal de que o êxito de projetos coletivos e comunitários requer a presença de lideranças comprometidas e sensíveis.

Ser o patrono é uma forma de homenagem, mas é também um compromisso. Qual é o seu compromisso como escritor?

– Acredito que é um serviço e exige muito trabalho, dedicação e responsabilidade, além do acolhimento de ideias e de pessoas. A homenagem é para a leitura, os leitores e os livros. As pessoas são instrumentos para que a promoção da leitura ocorra. O melhor livro é aquele que está em uso!

Cada patrono tem a oportunidade de imprimir a sua marca na realização da Feira do Livro. O que podemos esperar para esta edição?

– A excelência em qualquer ação humana exige disciplina, conhecimento e humildade para transformar limites em oportunidades. A comunidade pode esperar uma edição com uma programação diversificada, para todos os públicos e leitores, valorizando os livreiros e os promotores do circuito do livro, e, sobretudo a articulação entre leitura, livros e leitores. Haverá espaço para outras manifestações de arte.

 

“A formação humana exige poder simbólico, capacidade para oferecer às novas gerações fruição, apreço à cultura e à educação historicamente construídas”.

No dia 7 de agosto, Delcio participou de bate-papo e sessão de autógrafos na recém inaugurada Livraria da UCS. As crianças participaram do evento e levaram pra casa “A Coruja de Pernas Tortas” e “A Caixa Dourada”, este último realizado em parceria com seu filho Vinícius Agliardi, que responde pelas ilustrações e diagramação. Vinícius é designer com formação pela UCS.

Na área da cultura, e especialmente do livro, quais devem ser, no seu entendimento, as prioridades de Caxias do Sul?

– Caxias do Sul tem uma história potente e uma comunidade de leitores e escritores reconhecidos nacionalmente. O Concurso Anual Literário, o Financiarte, o Programa Permanente de Estímulo à Leitura, a rede de bibliotecas escolares, as bibliotecas comunitárias, a Biblioteca Pública são experiências que, no meu entendimento, devem ser priorizadas e valorizadas enquanto política pública de valorização da leitura de fruição.

Qual o papel da educação e das universidades em um necessário processo de resgate da valorização da leitura e do aprendizado fundamentado, contextualizado, analítico e crítico?

– A educação básica e superior são pré-requisitos para o enfrentamento do senso comum, da alienação e do aniquilamento da experiência essencialmente humana. A leitura tem importância nesse contexto. No cotidiano da educação escolar e não escolar encontramos espaços potencialmente catalisadores para a promoção da leitura literária, formação do gosto literário e para o enfrentamento das adversidades. É urgente a retomada da formação analítica, contextualizada e crítica. Neste contexto, defendo a formação inicial e continuada de professores pautada na compreensão dos fenômenos educativos e culturais libertadores, menos alienantes e fragmentados. A formação humana exige poder simbólico, capacidade para oferecer às novas gerações fruição, apreço à cultura e à educação historicamente construídas. Acredito na palavra de Manoel de Barros: as coisas inúteis servem para poesia.

Fotos: Claudia Velho e Laryane Barbosa