O que uma Saboaria Popular tem a ver com um Doutorado em Educação? Conheça a tese que busca responder esta questão.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 23/06/2020 | Editado em 28/07/2023

A pesquisa participante como ação político-pedagógica que mobiliza a Tese da doutoranda em Educação, Joanne Cristina Pedro, busca responder a esta questão. Joanne encontrou durante suas pesquisas de Mestrado e Doutorado não somente um campo de investigação, mas uma rede de participação social e educativa liderada por mulheres trabalhadoras na busca de melhores condições de vida.

O nome e a logomarca chamam a atenção: Saboaria Popular Las Margaritas. À primeira vista parece um empreendimento voltado para o público feminino na área dos cuidados corporais, com uma proposta ecológica que une conceitos muito em alta na atualidade: oferta de produtos naturais com efeitos medicinais. A apresentação do produto – sabões de limpeza para uso doméstico e sabonetes artesanais à base de ervas, essências e frutas – é de muito bom gosto e as embalagens não ficam nada a dever aos seus similares industrializados.

Mas o que diferencia essa iniciativa entre as tantas que são criadas diariamente mundo afora? Quem nos mostra o que a Saboaria Popular Las Margaritas, inaugurada em maio de 2020, em Caxias do Sul, tem de diferente – e valioso – é a estudante do Doutorado em Educação da UCS, Joanne Cristina Pedro, uma das participantes da ação coletiva que reuniu um grupo de mulheres da periferia em busca de uma alternativa de geração de trabalho e renda para sustentar suas famílias. Inaugurada durante a pandemia da Covid-19, a Saboaria Popular Las Margaritas tem sido uma forma de amenizar a situação de vulnerabilidade das famílias das mulheres que atuam nesse espaço produtivo e educativo.

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A pesquisa participante como ação político-pedagógica

Joanne é psicóloga e durante seu Mestrado em Educação (2016-2017) na UCS, ao estudar os “territórios educativos” e a aprendizagem “além-muros” atuou na EMEF Rubem Alves, de Vila Ipê, bairro da Zona Norte de Caxias do Sul. Da sua relação e envolvimento com a comunidade local, surgiu o projeto de Doutorado, iniciado em 2018, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UCS, onde ela investiga “as mediações pedagógicas implicadas na ação educativa dos movimentos sociais nos territórios periféricos”, tendo como pano de fundo o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), uma organização popular de alcance nacional, com atuação no bairro Santa Fé, dentre outras regiões periféricas da cidade. No Doutorado, Joanne tem a professora Nilda Stecanela como orientadora e o professor Sandro de Castro Pitano como coorientador.

Cooperação e Formação – Em paralelo ao desenvolvimento de suas pesquisas no Mestrado e no Doutorado, Joanne passou a participar mais assiduamente da vida comunitária envolvendo-se mais diretamente com os problemas enfrentados pela população local. “Desde 2017, participo do MTD e, mais recentemente, no processo de formação do grupo de base de Vila Ipê, havíamos identificado a questão do trabalho – com o aumento do desemprego na cidade, a retirada dos direitos trabalhistas e a precarização das condições de trabalho – como uma das principais pautas para 2020”.

Em março, a pandemia da Covid-19 atravessou o processo de planejamento do grupo. O momento exigia ações mais rápidas e concretas para garantir a subsistência das famílias em situação de vulnerabilidade social, e a saboaria teve seu processo de inauguração agilizado. Na foto ao lado, Joanne na bancada de trabalho onde são fabricados os produtos da saboaria.

A proposta de criação de uma saboaria popular surge nesse contexto. Ela é uma ação de um grupo de mulheres do MTD com o apoio da Cáritas de Caxias do Sul. Funcionando provisoriamente em um espaço cedido no Centro Comunitário Vinhedos, a intenção do grupo é, assim que for possível, levar a sede da saboaria para a região do Santa Fé, onde tudo começou.  Joanne considera que “mais que um empreendimento social, a construção dessa frente de trabalho se forja a partir da luta e da articulação entre mulheres que se organizam a partir do MTD. Nesse contexto, além do objetivo da geração de renda, e, para além de uma lógica meramente mercadológica, constrói-se coletivamente, a partir da ação político-pedagógica, um espaço cooperativo e formativo”.

“A concepção da saboaria se dá pautada na compreensão do trabalho como princípio educativo e também como um dos elementos responsáveis pela construção da nossa humanização, além de um espaço social inspirado por modelos de economia alternativos, baseados na solidariedade, na autonomia e na autogestão de trabalhadoras livremente associadas”.

Esse é, portanto, um dos cenários da pesquisa da doutoranda, que ressalta a relevância da pesquisa participante como sua opção metodológica: “nas palavras do educador e antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, a investigação, a educação e ação social convertem-se em momentos metodológicos de um único processo, dirigido à transformação social”.

Parcerias e troca de experiências

Dois meses depois de inaugurada, a saboaria já está nas redes sociais para divulgar e vender seus produtos. Também está organizando um banco de receitas, buscando aprimorar a produção em uma linha natural e ecológica, utilizando o mínimo possível de processos químicos. Para manter a produção funcionando, além de garantir um estoque de matéria-prima (ervas aromáticas, álcool de cerais, bases glicerinadas, manteigas vegetais, extratos, corantes naturais, dentre outras) já está nos planos do grupo construir uma rede de doação de óleo de cozinha usado, através da colaboração de restaurantes, pastelarias e pessoas físicas. Há também a perspectiva, em médio prazo, de ampliar a rede da produção de conhecimentos em processos de elaboração de sabonetes e sabões que sejam naturais, biodegradáveis, orgânicos e livres de sofrimento animal.

 

“Os sabonetes são bons, cheirosos e hidratantes” – Josiane da Silva tem 26 anos e vive com a filha Kimberly de 7 anos no loteamento Vila Ipê. Ela é uma das mulheres que participa da Saboaria Popular Las Margaritas e deixa aqui o seu recado. “Como uma das representantes do MTD, eu gostaria de falar que este é um ótimo projeto que está ajudando mulheres desempregadas nesse momento de pandemia, seguindo todos os cuidados necessários para não ter aglomerações . Nossos produtos são feitos com muitos cuidados e com ervas medicinais que ajudam bastante na saúde das pessoas e também temos o sabão caseiro muito recomendado para a limpeza, principalmente nesse momento. Os sabonetes são bons, cheirosos e hidratantes. São ótimos! Não tem como falar que um é melhor que o outro, porque todos são bons”.

 

A assessoria técnica do projeto vem sendo construída nas trocas de experiências com a biofarmacêutica Carmen Maria Simões Pires Alves Mendina. Já o processo de desenvolvimento da marca e do conceito da saboaria deu-se no grupo de mulheres, mas elas tiveram a colaboração da designer gráfica Laura Wahlbrink Padilha da Silva na criação da identidade visual e do material gráfico. “As margaridas também reforçam o pensamento de que se pode acabar com uma flor, mas nunca com a chegada da primavera, homenageando todas que já lutaram pela liberdade e pelo poder popular, florescendo a semente cultivada no imaginário coletivo de muitas que se inspiram a seguir lutando. A paleta de cores complementares se inspira nos tons usados pelas mulheres que lutam nas frentes feministas do Brasil e do mundo” – Trecho extraído do material de apresentação do conceito da saboaria.

O nome Las Margaritas é inspirado na lutadora Margarida Maria Alves, sindicalista, defensora dos direitos humanos, dos direitos trabalhistas e inspiração da luta feminista. “A saboaria também é inspirada pela cosmovisão dos processos organizativos dos povos latino-americanos, e vem, a partir de sua práxis, concretizando as estratégias de organização de mulheres trabalhadoras que valorizam o processo produtivo artesanal, a educação popular e o respeito à perspectiva da saúde integral que nos conecta a mãe Terra”.

Para a professora Carla Beatris Valentini, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCS, a atuação da doutoranda na criação da saboaria evidencia a inserção social da Universidade, da pesquisa acadêmica e do próprio Programa, nesse caso “em articulação com a educação não formal”.

E não custa lembrar que, em tempos de pandemia, todo o processo de fabricação artesanal atende às medidas de higiene e são tomados os cuidados sanitários necessários para garantir a qualidade e a segurança dos produtos. Também há a preocupação com os padrões de afastamento social recomendados pelos órgãos da Saúde, evitando-se a aglomeração das pessoas nos ambientes de trabalho.

Saiba mais e adquira os produtos através das redes sociais do projeto: Instagram.com/lasmargaritas.saboaria/  |  Facebook: Las Margaritas Saboaria