Em busca do conhecimento

De estudante que caminhava 6 quilômetros no escuro para ir à escola até o posto de reitor da UCS, conheça um pouco da história da vida acadêmica de Evaldo Kuiava

Por Paula Sperb | psperb@ucs.br

Os concertos das Quatro Estações criados por Antonio Vivaldi, um dos compositores preferidos de Evaldo Antonio Kuiava - "ele é o mais alegre" -, servem como metáfora para a trajetória do novo reitor da Universidade de Caxias do Sul. Com 21 anos de atuação na UCS, Kuiava nunca planejou chegar ao comando da reitoria, mas reconhece que a conquista é resultado de uma postura adotada ao longo da vida, "sempre em busca do conhecimento". Essa busca, assim como as estações, foram marcadas por quatro etapas acadêmicas: graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Na UCS, o estudo constante também foi reconhecido, fazendo com que Kuiava ocupasse as posições de professor, diretor de Centro, pró-reitor e, agora, reitor.

"Sinto-me tranquilo e preparado para, com a equipe, fazer as mudanças necessárias. A gestão precisa melhorar. A parte acadêmica tem que melhorar muito, com excelência e inovação para que a UCS seja protagonista em todos os processos", sinaliza Kuiava sobre o projeto que tem para a instituição. "Eu tenho uma ideia de universidade", anuncia convicto o filósofo que domina o campo das ideias, mas está constantemente procurando formação na área de gestão. O aperfeiçoamento na área administrativa, através de cursos e leituras, ajuda-o a colocar os projetos em prática. A ideia de universidade que guiará a nova gestão contempla os conceitos de excelência, inovação, contemporaneidade e sustentabilidade. "A UCS tem que ser protagonista. A universidade é um lugar onde deve ocorrer a inovação. Aqui, conhecimentos novos são produzidos e, diferentemente de uma empresa, esse conhecimento é colocado à disposição da sociedade. A empresa segura para si. A universidade não retém para si, disponibiliza", diz Kuiava sobre a finalidade do Ensino Superior e a missão de levar conhecimento e excelência à comunidade.

As metas de gestão da UCS exigirão dedicação intensa de Kuiava e de sua equipe. Alcançar o objetivo demandará persistência, característica marcante da personalidade do novo reitor. Nascido em Casca, cidade a 102 quilômetros de distância de Caxias do Sul ao noroeste do Estado, Kuiava despertou para a leitura muito antes de ir à escola. Ele foi alfabetizado em polonês em casa. Mesmo sem ter idade, insistia com os pais para que o deixassem ir junto com os primos às aulas.

"A UCS tem que ser protagonista. A Universidade é um lugar onde deve ocorrer a inovação. Aqui, se produz conhecimentos novos e, diferentemente de uma empresa, esse conhecimento é colocado à disposição da sociedade"

Quando finalmente foi matriculado, a ansiedade era tão grande que acordava às 5h. Preparava um chimarrão para os pais e percorria os 3 quilômetros que o separavam do objetivo de aprender. Quando a professora chegava na escola, para iniciar a aula às 7h, encontrava um menino magro e muitas vezes com frio aguardando-a. Kuiava chegava uma hora antes da aula começar. "Era frio, ficava congelado. Fazia fogo para me esquentar, era natural isso", conta Kuiava, que encarou essa rotina até a 4ª série. Depois, até o início da então 1ª série do segundo grau, o jovem moldou ainda mais sua persistência. A distância até a escola dobrou. Eram 6 quilômetros a serem percorridos à noite, sozinho. "Ia no escuro, no barro, no pó, não tinha ninguém. Às vezes ia com medo, mas enfrentava o medo e o desafio. Não admitia a possibilidade de não estudar", lembra Kuiava, que atualmente está matriculado em quatro cursos e segue buscando conhecimento. "Caminhava no escuro, mas com uma meta na vida. A meta me guiava. Não era um peso. Era uma passagem", relata. Passagem que não foi percorrida por outros. "Todas as pessoas desistiram, amigos, vizinhos, comunidade", diz. Não é à toa que seus pais ficaram orgulhosos com a notícia de que seria reitor da UCS. "Eles entenderam toda minha caminhada."

OLHOS NO MUNDO

Sentado no chão ao lado de seus irmãos e primos, Kuiava escutava atentamente as histórias que seu avô lia em polonês. Além de aguçar sua curiosidade para o mundo do conhecimento, a leitura oral compartilhada em família era um dos momentos mais alegres para o menino. Depois que seu avô faleceu, Kuiava assumiu a função de ler em voz alta para todos, uma responsabilidade repleta de simbolismo. Aí, já dava indícios de que seria também um bom líder, preocupado com o que parece invisível aos olhos da maioria. "Essa é uma característica forte dele. Quando ele era diretor (do Centro de Filosofia e Educação), ele sempre procurou deixar as coisas bem, equilibrar os horários dos professores. Ele sempre se dedicou a esse lado. Tinha preocupação que o corpo docente funcionasse bem para que a instituição ficasse bem", conta o frei Valdir Pretto, amigo e ex-colega de trabalho de Kuiava. Os dois se conheceram na década de 1990, quando Pretto iniciou sua atividade docente na UCS. De lá para cá, estreitaram laços e desenvolveram trabalhos acadêmicos em conjunto. Inclusive se encontraram em algumas ocasiões na França, enquanto Kuiava desenvolvia seu projeto de pós-doutorado na Université Lumière Lyon 2. "Eu me recordo que ele palestrou em Lyon. Eu era um dos ouvintes na plateia. Ele palestrou em francês", relembra Pretto sobre o amigo que tem facilidade com línguas estrangeiras "Foi uma bela palestra. A assembleia demonstrou bastante interesse na temática da educação e pesquisa. Ele se fez entende", conta Pretto sobre a experiência internacional de ambos. "É um homem que cruza as fronteiras carregando a bandeira, sobretudo a da UCS", conta Pretto.

Antes da incursão acadêmica pela França, Kuiava completou seu mestrado e doutorado na PUC-RS, ambos em Filosofia. Durante o doutorado, passou um período de estudos na Alemanha, na Universität Kassel. Na Alemanha, Kuiava diz que reuniu "material para três vidas". Três, justamente o número de movimentos de cada concerto das Quatro Estações de Vivaldi.

A ótica do outro

Mesmo tendo material para estudar por três vidas, Kuiava só tem certeza sobre a vida presente e faz o que está ao seu alcance para aproveitar cada dia. "Tinha uma angústia sobre a vida e a morte, uma angústia perante a finitude da vida. Essas questões me fazem andar com o pé no chão. `Não esqueças que és finito." Nós somos seres para a morte. Tudo se torna obsoleto, inclusive nós. Vive ou não vive. E se não viveu, passou. A vida é isso?, reflete o reitor. Esses questionamentos o levaram até os postulados filosóficos do alemão Heidegger, que assim como Kuiava, também foi reitor. Martin Heidegger foi reitor da Universidade de Berlim na década de 1930.

A finitude da vida, a relação com o outro e a ética são questões filosóficas que ocupam a mente e a produção acadêmica do professor. Três filósofos foram intensamente estudados para seus trabalhos de conclusão de curso: Kant, Heidegger e Levinas. O interesse sobre o pensamento do prussiano Immanuel Kant foi despertado a partir do imperativo categórico que diz: "age de tal maneira que a máxima da tua ação possa se transformar em lei universal". Em outras palavras, como simplifica Kuiava, "se não vale para todo mundo, não vale pra ti também". Um princípio iluminista que reconhece e respeita o humano. Kant dizia que todas decisões devem ser tomadas como um ato moral, ou seja, sem agredir ou afetar outras pessoas. O salto na pesquisa sobre Kant até Levinas foi um impulso natural. Kuiava passou a se preocupar com questões de alteridade. O francês Emmanuel Levinas enxergava o "outro" não como uma oposição ao "eu", uma dialética que Kuiava considera perversa. "A coletividade em que eu digo 'tu' ou 'nós' não é um plural de 'eu'", dizia Levinas. Essa preocupação com o outro rompe com a esfera somente das ideias. "Ele tem um cuidado com o outro, quer que o outro cresça como pessoa, tanto nas responsabilidades, nos compromissos, em todas as áreas da vida", conta o amigo Valdir Pretto.

De estudante a reitor

A formação em Filosofia na UCS foi consequência do contato intenso que teve com livros durante os anos como aluno do Seminário Seráfico São José, dos Capuchinhos, em Veranópolis. "Lia vários livros por semana. Sempre tinha uns 10 livros comigo, era o que mais retirava livros da Biblioteca", conta Kuiava. Entre a Teologia, escolhida por muitos colegas, e a Filosofia, optou pela segunda - uma forma mais racional de encarar o mundo. Na graduação, no mestrado e no doutorado, Evaldo Kuiava foi aluno do hoje colega e professor da UCS Jayme Paviani. "Ele é uma pessoa bem dedicada, como estudante e como professor. Lê muito e tem curiosidade intelectual. Sempre busca um rigor científico ao analisar os temas", diz Paviani. "Ele é uma pessoa de diálogo, essa é uma das características dele. Sabe ouvir os outros, sabe ponderar o que é dito", complementa Paviani, que foi professor de Kuiava em diversos momentos de 1987 a 2003.

De aluno, Kuiava passou a ser professor. Alternava três empregos (recepcionista, bancário e professor de datilografia) até que optou pela docência, lecionando no Colégio São José. Na UCS, professor há mais de duas décadas, já teve centenas de alunos em suas disciplinas.

"Ele é uma pessoa bem dedicada, como estudante e como professor. Lê muito e tem curiosidade intelectual. Sempre busca um rigor científico ao analisar os temas. É uma pessoa de diálogo. Sabe ouvir os outros, sabe ponderar o que é dito", diz Jayme Paviani

"Ele tem o perfil de acreditar nas pessoas e dar oportunidade de o aluno crescer. Como orientador, segue um rigor acadêmico, mas sem tirar a liberdade do aluno de criar e conduzir o próprio trabalho. Ele é uma referência pessoal e profissional", conta Gabriele Vieira Neves, que foi sua orientanda no Mestrado em Educação na UCS e hoje também leciona na Universidade. Gabriele ressalta que, durante as aulas, Kuiava estimula os alunos ao propor muitas perguntas e incentivá-los à pesquisa acadêmica.

Agora, no posto máximo de uma Universidade, Kuiava poderá colocar muitos dos seus ideais em prática. "Eu acredito que ele merece o cargo para qual foi eleito. Mas sabe o desafio que tem em mãos. Ele é um homem inteligente. Tem uma boa visão, pensa pra frente", incentiva o amigo Valdir Pretto. Por pensar adiante, Kuiava manifesta seu desejo à frente da UCS. "Gostaria que cada um se sentisse feliz e realizado, seja como professor, funcionário ou aluno. Que cada um encontre na Universidade o espaço e o suporte para realizar seu projeto de vida", salienta o novo reitor.



Revista UCS - É uma publicação mensal da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por conhecimento.

O texto acima está publicado na décima primeira edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.

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