100 ANOS APÓS O PRIMEIRO GRANDE CONFLITO

EM 1914, A GUERRA COLOCOU FRENTE A FRENTE POTÊNCIAS ECONÔMICAS NO INÍCIO DO SÉCULO XX E MODIFICOU PARA SEMPRE OS ENFRENTAMENTOS BÉLICOS

Por VAGNER ESPEIORIN | vaespeio@ucs.br

Apesar do nome, Gavrilo Princip não teve uma vida nobre. Pelo contrário. A infância pobre precedeu a adolescência de ativismo em uma facção terrorista da Sérvia conhecida como Mão Negra. Como uma ironia fonética, Princip tornou- se um personagem histórico por assassinar o príncipe do Império Austro- húngaro, em 28 de junho de 1914. O arquiduque Franz Ferdinand e sua esposa, a duquesa Sofia de Hohenberg, morreram atingidos pelos disparos enquanto andavam de carro aberto pelas ruas de Sarajevo, na Bósnia.

Princip possivelmente não planejava que aqueles dois tiros resultariam em uma disputa bélica sem precedentes até então. O assassinato foi o estopim para a Primeira Guerra Mundial, que completa em julho 100 anos. De 1914 a 1918, o confronto tomou proporções gigantescas e colocou em disputa os interesses das maiores potências europeias da época. A morte de Ferdinand, na prática, se transformou em uma grande desculpa dos países para guerrear e conquistar novos territórios.

Julho foi o mês da crise. O Império Austro-húngaro decretou guerra à Sérvia exatamente trinta dias após o atentado contra o arquiduque. Depois disso, o que se viu foi um efeito dominó. No dia 30 de julho, a Alemanha resolveu invadir a Bélgica para atacar a França e de lá partir para conquistar o território russo. Quando os alemães começaram a entrar em território belga acabaram mexendo com os interesses ingleses. O Reino Unido decretou guerra à Alemanha em 4 de agosto.

"A guerra foi um enfrentamento bélico entre as potências industrializadas em busca de novos mercados. Praticamente todos os países foram direta ou indiretamente afetados pelo conflito", explica o coordenador do Mestrado Profissional em História da UCS, professor Roberto Radünz.

Pegar em armas, seguir para o fronte de batalha e lidar com a morte de milhões de pessoas não passava pela cabeça de um cidadão europeu, no início do século XX. Por volta de 1900, Paris, por exemplo, era uma espécie de epicentro do mundo. Cafés, livrarias, óperas, alta costura movimentavam as elites do planeta em direção à cidade. Novas invenções, como telefone, automóvel e cinema, convergiam para que os europeus, e não somente os franceses, se sentissem modernos e civilizados.

Essa modernidade toda exigia economias dinâmicas, capazes de vender para o maior número de pessoas e extrair grandes quantidades de matéria- prima. Acontece que longe desse "glamour", as nações disputavam territórios na África e na Ásia. A Alemanha e a Itália, porém, se unificaram tarde e entraram no seleto grupo de países desenvolvidos muito depois de potências como Inglaterra e França. Resultado: passaram a cobiçar os territórios dos "irmãos" mais velhos.

"A Grande Guerra foi fruto do desenvolvimento do capitalismo e da sua face imperialista. O capitalismo necessita de fontes de matéria-prima e de mercado consumidor. Não existe maneira mais fácil de garantir isso do que dominar outros países e explorá-los, forçando- -os a comprar seus produtos", explica a professora do curso de História da UCS, Eliane Cardoso.

Se o assassinato de Ferdinand foi o estopim, a disputa por mercados foi a principal culpada por dar origem à Primeira Guerra Mundial. Depois disso, a Europa, antes conhecida por ser território atraente às elites, mudou seu status: passou a ser região de peregrinação de tropas militares. O conflito mostrou, porém, que se as invenções surgem para facilitar a vida, elas podem servir a interesses bélicos devastadores.

ENTRE A TECNOLOGIA E A LAMA

A partir do segundo semestre de 1914, a música dos cabarés cedeu lugar ao som dos canhões. Os automóveis foram substituídos pelo transporte militar. A sensação de efervescência cultural foi consumida pelo sentimento que só uma guerra pode causar: uma espécie de depressão social.

Os conflitos ocorreram em duas frentes. No lado ocidental, forças alemãs avançavam sobre a Bélgica e enfrentavam a resistência da França. Do lado oriental, o Império Austro-húngaro tentava dominar a Sérvia e a Rússia. O continente tinha se transformado numa bomba relógio. Territorialmente pequena, mas com grande população, a Europa viu sua vida transformada em lama, literalmente.

A Primeira Guerra Mundial foi um conflito nas trincheiras. A maior delas chegou a ultrapassar os 700 quilômetros e seguia da Suíça ao Canal da Mancha, nas proximidades do Oceano Atlântico. As fossas na terra tinham a altura de um homem. Serviam como uma espécie de proteção aos soldados, para evitar que fossem atingidos pelos disparos dos inimigos.

Para Radünz, porém, as trincheiras evidenciavam o lado mais tenso do combate. Largamente utilizadas pelos franceses, essas escavações eram protegidas por sacos de areia e por arames farpados, para tentar manter a distância dos ataques externos. Com o uso da metralhadora, os soldados das trincheiras poderiam, além de se defender, atingir as forças adversárias. Aparentemente bem planejada, a tática passou a ser a vilã dos exércitos que a utilizavam.

Com a modernização, a Primeira Guerra Mundial passou a contar com canhões mais eficientes em combate. A munição da artilharia pesada atingia as trincheiras dizimando os combatentes. Não raro, os projéteis vinham acompanhados de armas químicas, tática muito utilizada pelos alemães. O gás clorídrico matava em massa a população alojada nas escavações.

Quando chovia, a terra se misturava à água gerando lama - muita lama. Ao cenário inóspito, se unia o cheiro de morte. Soldados em combate precisavam dividir espaços com os cadáveres de combatentes. As condições de guerra decretavam lutas mortíferas. Além disso, a necessidade de rastejar acabava cansando os próprios homens na zona de confronto. Se o terreno da Europa se transformou em lama, as nações em estado bélico acabaram se aproveitando de uma outra estratégia: o avião.

"Sem dúvida, a introdução do avião de guerra foi a grande novidade", afirma Eliane. Inicialmente, o transporte aéreo era utilizado para observar o inimigo. Ao lado do dirigível, era muito útil para saber detalhes do território adversário. Com o tempo, eles ganharam características mais mortais. Foram adaptados para os combates e passaram a ser utilizados para bombardear cidades. Londres foi uma das mais atingidas.

Em terra, artilharia pesada, como canhões e armas químicas, dizimava soldados. Nos céus, os aviões e dirigíveis mostravam uma faceta devastadora. No mar, a tecnologia de guerra também avançava. Os navios que foram responsáveis por batalhas memoráveis na história bélica pareciam dar pouca resistência aos modernos submarinos.

Se no lado dos avanços da indústria armamentista, a Primeira Grande Guerra mostrou que a capacidade tecnológica do homem poderia ser devastadora. Ela alertou à humanidade sobre os riscos do poder. O confronto não se conteve apenas ao campo de batalha.

"A Primeira Guerra Mundial trouxe como componente novo o envolvimento das pessoas que não eram combatentes e soldados. O conflito foi travado também na retaguarda com bombardeios generalizados de cidades", explica Radünz.










BRASIL NÃO VAI, MAS PARTICIPA

Além do aspecto militar, os embates movimentaram estruturas econômicas e políticas. No Brasil, também foram sentidos os reflexos do conflito. Com os olhos voltados para a Europa, todo o planeta sofria com a situação bélica do continente. A economia mundial também sentiu os estilhaços. O café, à época, era o principal produto das exportações brasileiras. Por não ser uma especiaria de primeira necessidade, a queda na comercialização foi intensamente sentida.

"O Brasil teve dificuldades de exportar café para a Europa e em contrapartida comprar manufaturas do Velho Mundo", contextualiza Radünz.

Na tentativa de manter uma boa relação internacional, a neutralidade brasileira havia sido decretada ainda em agosto de 1914. Nos últimos anos da guerra, porém, o país largou o silêncio e se colocou contrário à Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e o Império Austro- húngaro). Em 5 de abril de 1917, o navio Paraná - que era um dos maiores da Marinha do Brasil - foi bombardeado por um submarino alemão próximo ao Canal da Mancha. Três brasileiros morreram.

"O ataque às embarcações brasileiras na Europa gerou um clamor da opinião pública nacional para que o Brasil reagisse e quebrasse sua neutralidade", destaca Eliane.

Seis dias após ter a embarcação alvejada, o Brasil cortou relações diplomáticas com a Alemanha e abriu os portos para as nações da Tríplice Entente (França, Estados Unidos e Reino Unido).

"O Brasil enviou na parte final da guerra em torno de dois mil profissionais entre médicos e enfermeiros", estima Radünz. Mas não parou por aí, coube ao Brasil proteger e dar assistência na região oceânica do Atlântico Sul.

QUATRO ANOS DE HORROR

Com a entrada dos Estados Unidos no confronto em 1917, os franceses e ingleses ganharam fôlego e conseguiram derrotar as forças alemãs. Apesar disso, não se pode dizer que eles ganharam. Não. Todos perderam. No encerrar da guerra, em 11 de novembro de 1918, a Europa estava destruída e pelo menos dez milhões de pessoas perderam a vida vítimas dos combates. O número de mortes chegou a 65 milhões se contabilizadas as baixas causadas pela gripe espanhola, doença que se disseminou e atingiu também os campos de concentração de soldados.

Em 1919, a Alemanha teve que assinar o Tratado de Versalhes, assumiu uma dívida monstruosa e perdeu territórios. Os Estados Unidos se transformariam numa potência mundial. O mundo tinha levado uma lição. Não foi suficiente.

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Para Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores do século XX, o confronto de 1914 era apenas a primeira etapa de um conflito que só acabaria em 1945, com o encerramento da Segunda Guerra Mundial.



Revista UCS - É uma publicação mensal da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por conhecimento.

O texto acima está publicado na décima terceira edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.

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