Formação
Humanizada


ANA LAURA PARAGINSKI | alparaginski@ucs.br
Fotos: Claudia Velho

Acadêmicos buscam, na atuação junto à comunidade, experiências que, além de valorizar o currículo, contribuem para a formação de um profissional humanizado


O tempo que o aluno passa na Universidade, além de trazer conhecimentos técnicos, científicos e pedagógicos, também deve proporcionar experiências que agreguem tanto para a formação do perfil profissional como para a completude do ser social. Para isso, a participação, engajamento e busca por atividades práticas que envolvam benefícios diretos a comunidades devem compor a formação desse acadêmico.

Para o professor de Ética Empresarial da UCS, Frei Jaime Bettega, os acadêmicos, ao se engajarem em projetos comunitários, tornam-se mais reflexivos, passam a valorizar o que possuem e concluem que seus próprios problemas são pequenos diante da realidade de outras pessoas. "A humanização torna-se mais visível até na convivência em sala de aula. A sensibilidade com a problemática humana se torna mais aguçada, sem contar a alegria de poder se sentir útil", ressalta Bettega.

A Universidade possui diversos convênios com a iniciativa privada e pública, além de convênios internacionais em todos os continentes. Convênios que possibilitam ao aluno um escopo de oportunidades que poucas Universidades do Brasil oferecem. "Com isso, no decorrer do curso, o aluno pode participar de projetos e programas em nível municipal, regional, nacional e internacional, só depende do interesse do aluno. Vivemos num mundo globalizado, não podemos pensar só no local", esclarece o pró-reitor acadêmico Marcelo Rossato.

Somos para a comunidade

Ações práticas de distintos portes junto à comunidade são incentivadas e promovidas dentro da Universidade. Sejam em disciplinas ou projetos, muitas possibilidades estão sendo ofertadas aos alunos. "O trabalho junto a diferentes públicos, que geralmente precisam de ajuda, é uma opção humanizadora e inteligente. Para o currículo profissional, isso abre muitas portas. Uma pessoa que dedica parte do seu tempo para amenizar o sofrimento do semelhante está preparada para conviver melhor com a diversidade em seu local de trabalho. Essas experiências acrescentam vida e comprometimento ao diploma de curso superior", enfatiza o professor.

"O envolvimento do aluno em projetos comunitários é fundamental para o desenvolvimento da cidadania. Muitas vezes, esquecemos que produtos e processos, criados ou melhorados, fazem uma sociedade melhor. Este é um diferencial que a Universidade possui. Num mundo em constante evolução, com a tecnologia digital assumindo o papel de destaque, e inovação sendo a palavra de ordem, é necessário que a realidade de cada profissional entenda as necessidades da comunidade onde ele está inserido", completa Rossato. Alunos, professores e funcionários da UCS engajam-se em projetos que levem benefícios à comunidade, fazendo jus ao atributo de Universidade Comunitária. Além de ajudar a quem precisa, enriquece o currículo dos egressos. "As organizações olham com simpatia para candidatos que se engajam em ações solidárias. Com certeza, serão capazes de agregar novo dinamismo à equipe de trabalho. Quem faz algo sem esperar nada em troca poderá contagiar positivamente os colegas e inspirar ações que beneficiam o todo", finaliza.

A seguir, contaremos histórias de jovens acadêmicos que se dedicam, com orgulho, ao crescimento de pessoas e desenvolvimento de comunidades.



Cleia e Diego, acadêmicos de Administração, realizam palestras para moradores dos residenciais do Programa Minha Casa Minha Vida, contribuindo para a boa administração do orçamento pessoal e familiar de diversas famílias.

"Com o passar do tempo, o sentimento de ser útil para as pessoas também me trouxe muita motivação, pois o conhecimento só é válido se for transmitido. ao pensar que talvez uma vida possa melhorar por algo que eu ou meu grupo fez, é muito gratificante". Cleia Márcia de Rezende, acadêmica de Administração

Minha Casa Minha Vida, nosso conhecimento
Seja de noite ou nos sábados, domingos e feriados, o grupo de acadêmicos envolvidos no projeto habitacional para moradores dos residenciais do Minha Casa Minha Vida está disponível para distribuir conhecimento e motivação.

Encontramos Diego Quevedo Costa, 24 anos, e Cleia Márcia de Rezende, 32 anos, ambos alunos do curso de Administração da UCS, numa noite fria no Residencial Campos da Serra V (também participam o VI e VII), conversando com os moradores sobre orçamento familiar e pessoal. Os convites são distribuídos e os interessados podem participar, gratuitamente, das palestras ministradas por universitários. Ao todo, o projeto atende 480 famílias.

Diego conta que sempre teve vontade de participar de algum trabalho social e quando surgiu a oportunidade de fazer parte desse projeto técnico-social foi uma realização pessoal: "o projeto fica ainda melhor por se trabalhar com diferentes tipos de núcleos familiares. Essa vivência agrega muito em nossas vidas, é um aprendizado fantástico".

"Eu me candidatei para este trabalho, em princípio, porque precisava de horas complementares para terminar o curso, e este trabalho teria duração de três meses. Mas, com o passar do tempo, identifiquei-me muito com o objetivo do projeto e estou há 10 meses trabalhando nele", relata Cleia. Segundo ela, a oportunidade de levar conhecimento a pessoas mais necessitadas é muito gratificante. "Eu olho para elas e vejo pessoas buscando melhorar de vida, e este é o mesmo sentimento que me levou a entrar para a Universidade e batalhar para terminar o curso, não parar pelo caminho", completa. Diego salienta que é uma grande oportunidade de testar e aperfeiçoar as habilidades interpessoais fora do ambiente acadêmico.

Para a acadêmica, o principal aprendizado foi não fazer julgamentos precipitados, pois todos têm suas histórias, suas batalhas, que devem ser respeitadas. "Devemos estar abertos, porque essas pessoas podem nos ensinar muito com suas vitórias, baseadas em muita luta pela sobrevivência e pela esperança de um futuro melhor para a sua família", justifica.

"É muito gratificante ser útil para alguém, especialmente para pessoas que necessitam de ajuda. Conhecer situações diferentes do nosso cotidiano é enriquecedor e prazeroso, te dá outro olhar sobre a vida e seu significado", diz Cleia.

Pensando no futuro profissional e na construção do currículo, os dois estudantes são muito categóricos. "Geralmente, nos relacionamos com pessoas muito parecidas conosco ou que estão inseridas no nosso meio social. Sair dessa zona de conforto causa um exame de consciência, o qual pode levar abaixo as nossas crenças e preconceitos. O mundo corporativo pede pessoas que saibam se relacionar bem, e essa pode ser uma ótima oportunidade para os estudantes aprenderem a se relacionar com pessoas diferentes", comenta a estudante. Para Diego, é o algo a mais que as empresas procuram em um perfil profissional. "Vai além da preparação técnica, é uma experiência única na questão comportamental, e que agrega muito no pessoal e profissional", finaliza.

"Acredito que o maior aprendizado é ser uma pessoa melhor e mais atuante com as comunidades mais necessitadas, de ajudar as pessoas com o mínimo que for, pois para elas isso importa muito. Às vezes pensamos que o pouco não ajuda, mas pequenas atitudes fazem a diferença sim." Patricia dos Santos, aluna de Relações Públicas
Planejamento de Comunicação para a inclusão

A disciplina de Planejamento em Relações Públicas II, ministrada pela professora Silvana Padilha Flores para o curso de Relações Públicas, desenvolve atividades práticas em situações reais, aplicando os conceitos e metodologias do planejamento em comunicação. A cada semestre, a turma opta por um projeto social a ser beneficiado com um Planejamento de Comunicação. A turma atual está engajada no trabalho junto com a Casa Brasil, uma entidade social ligada à ONG Mão Amiga, à Fundação de Assistência Social (FAS) e à Prefeitura de Caxias do Sul.

A aluna Patricia dos Santos, 24 anos, conta que o trabalho iniciou com uma apresentação da entidade em sala de aula, feita pela assistente social Cristiane Ferreira, coordenadora há nove anos deste projeto que atua no Bairro Reolon, em Caxias do Sul. Após, os alunos conheceram as instalações, o público atendido e o ambiente.

"Para dar início ao Planejamento, após conhecermos o campo, fizemos um levantamento do micro e do macroambiente, levantando suas forças e fraquezas, ameaças e oportunidades que afetam diretamente a entidade. Com isso, a turma levou em conta a realidade, a cultura e a filosofia organizacional que a Casa Brasil já possui", argumenta Patricia. O trabalho todo envolve pensar ações que visem facilitar os processos realizados na Casa, bem como divulgar informações básicas de acesso e contato à entidade, notícias e demais conteúdos que levem à participação e engajamento tanto de empresas como de pessoas.

A turma está procurando envolver-se nas ações realizadas na Casa como forma de conhecê-la melhor. Para a professora Silvana, "os alunos devem, na medida do possível, se envolver de "corpo e alma", desde pensar o planejamento para um semestre, um ano, ou até algo mais imediato, como arrumar e pintar um muro se for necessário ou buscar parcerias para que isso seja viabilizado", ressalta.

A acadêmica diz que, como resultado, esperam que a entidade tenha captação de novos recursos e maior visibilidade na comunidade em geral. Com relação ao aprendizado, Patricia diz que acha importante esse engajamento: "é a primeira vez que me envolvo com um projeto assim, mas estou achando maravilhoso e pretendo participar mais vezes. Além do aprendizado que adquirimos, colocamos em prática as teorias vistas em sala de aula e ainda ajudamos quem realmente precisa".



As alunas do mestrado em Engenharia de Produção e Tecnologias, Karen e Michele, trabalham para identificar um novo produto produzido a partir dos rejeitos de resíduos sólidos de associações de recicladores

Agregar valor a resíduos sólidos e à carreira

Karen da Silva Rodrigues, 27 anos, e Michele Savaris, 25 anos, são alunas do Mestrado em Engenharia de Produção e Tecnologias (PGEPROTEC) da UCS e participam de um projeto que leva conhecimento científico e técnico a recicladores de Caxias do Sul. Na ânsia de descobrir como agregar valor aos produtos selecionados para comercialização, as duas desenvolvem pesquisa com os materiais descartados pelos recicladores, ou seja, que hoje não são aproveitados, além de capacitá-los para o uso correto de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e manejo dos resíduos sólidos visando a melhoraria da produção e das condições de trabalho.

O projeto - que envolve acadêmicos e professores da UCS - visa levar conhecimento, em diversas áreas, para cerca de 200 catadores, ou recicladores - como preferem ser chamados - que, juntos, manejam em torno de 300 toneladas/mês de resíduos sólidos em 7 associações conveniadas à Prefeitura e 4 não conveniadas. As instituições que realizam a gestão do projeto são o Ministério do Trabalho e Emprego, a Fundação Banco do Brasil, a WWF, a Prefeitura de Caxias do Sul e a UCS.

"O rejeito, que é o resíduo sólido que eles não conseguem vender por ser um material diferente e que vai para o aterro municipal, gera um dano ambiental. Por isso, nós pegamos esse material e realizamos a caracterização dele pensando se e como pode ser utilizado. Além disso, pesquisamos quais produtos podem ser gerados a partir do rejeito e desenvolvemos um plano para venda desse material, promovendo a cadeia produtiva do lixo de Caxias do Sul", diz Karen. A intenção do núcleo de pesquisa do PGEPROTEC da UCS é investigar como esses recicladores podem preparar o material visando atingir um incremento de 300% no valor do produto através, também, da venda direta para os compradores (sem atravessadores).

Michele comenta que esse tipo de ação faz com que se enxergue a realidade de algumas comunidades e se perceba o quanto o trabalho da Universidade é importante para esse pessoal. "Ações como esta trazem uma visão diferente para o aluno, ajudando a contribuir para a realidade social local e geração de renda que, para eles, depende da separação do lixo. Também podemos ressaltar a importância que esse trabalho vai agregar ao nosso currículo", enfatiza.

Imigrantes têm aulas de Português com acadêmicas do curso de Letras da UCS. Na foto, Jéssica de Aguiar auxilia os alunos a aprender sobre alimentos

Aprendizado de mão dupla

Com a chegada dos imigrantes senegaleses, haitianos e outros, em Caxias do Sul, o curso de Letras da UCS viu uma oportunidade para proporcionar aprendizado em dose dupla: levou os acadêmicos do curso para a sala de aula, no período de estágio, para ensinar Português aos imigrantes, que precisam aprender de forma rápida e prática a língua do novo país que escolheram viver.

A professora do curso de Letras, Suzana Pagot, conta que o projeto de Português para Imigrantes está vinculado ao Estágio IV em Língua ou Literaturas de Língua Portuguesa que "tem como objetivo o exercício da docência em ambientes não-formais de aprendizagem, envolvendo apreensão da realidade contextual, elaboração de planos, projetos, propostas de aprendizagem; organização de material didático, visando à construção de alternativas de ação educativa".

O projeto iniciou em 2014, com o apoio do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), da Associação de Senegaleses, da 4ª Coordenadoria de Educação e da Escola de Ensino Fundamental Presidente Vargas. "Neste ano, estamos com quatro turmas na Escola Presidente Vargas com um total de aproximadamente 45 alunos; com um grupo na 4ª Légua e outro em Antônio Prado que somam mais 28 alunos", enfatiza Suzana. Oito acadêmicas estão envolvidas nesta ação. Para a professora Luciane Todeschini Ferreira, que também ministra a disciplina de Estágio IV, um fato bem interessante é que, tanto no ano passado como neste ano, surgiu o interesse das alunas continuarem o curso após a finalização do estágio, demonstrando que a proposta desencadeou um desejo de realizar trabalhos voluntários. "Isso é muito enriquecedor, pois observamos que nossas ações vão muito além da sala de aula", finaliza.

Jéssica Denise Silva de Aguiar, de 24 anos, acadêmica de Letras, atua como professora em uma das turmas de imigrantes na Escola Presidente Vargas. Ela conta que é um trabalho muito gratificante e diferente de todas as outras turmas do ensino comum, pois os alunos estão ali porque realmente querem aprender: "são muito interessados, fazendo muitas perguntas, o que contribui para termos uma aula mais rica. Além disso, sinto que, realmente, estou realizando meu dever de cidadã em ajudar a inserir essas pessoas em uma sociedade, por meio da língua, pois ela é uma forma de exercer o poder e, quanto maior for esse domínio linguístico, melhores oportunidades os imigrantes terão. Sem contar no auxílio do âmbito da inserção social, possibilitando o acesso à informação e à capacidade de comunicação", argumenta a aluna.

Os rostos interessados e respeitosos dos imigrantes mostram a dedicação ao aprendizado que ali está sendo oferecido, de forma gratuita. "Os desafios do ensino para estrangeiros são grandes. Primeiramente, a questão da assiduidade, pois os alunos faltam com frequência. Um dia há dezesseis alunos e no outro, somente quatro. Mas, nada que impeça o trabalho a ser desenvolvido. Outro aspecto relevante é que, por vezes, é necessário explicar uma palavra ou situação de diversas maneiras, por sinônimos, imagens, desenhos, exemplos, comparações, gestos ou, ainda, a tradução para a língua de origem do aluno, que se dá por meio do dicionário ou de algum aluno que já entendeu e traduz para os demais", salienta Jéssica.

A acadêmica diz que esse estágio é uma grande oportunidade, a qual deve ser encarada como crescimento tanto profissional como pessoal: "é um trabalho que, realmente, quebra barreiras. O trabalho que vem sendo desenvolvido proporciona um grande crescimento tanto para o professor quanto para os alunos".

Em defesa da comunidade

Ana Paula Piccoli Cignachi, 25 anos, é acadêmica do curso de Direito da UCS no Núcleo Universitário de Farroupilha. Ela está cursando a disciplina de Estágio de Prática Jurídica que visa a execução da prática jurídica via o Serviço de Atendimento Jurídico da UCS (SAJUCS). As aulas acontecem nas tardes de terça-feira e o trabalho é orientado pela professora Adriane Pereira Lopes.

"Através desta disciplina, posso conhecer a realidade, o que a comunidade está precisando, as dificuldades das famílias mais humildes", relata Ana Paula. O atendimento ocorre por agendamento diretamente no SAJUCS, por telefone ou por encaminhamento através da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal de Farroupilha, pelo Conselho Tutelar, CAPs e Ministério Público. Em 2014, foram mais de 900 atendimentos no geral. Cerca de 360 ações correram no Fórum da cidade e contam com a assistência dos alunos e professores ligados ao SAJUCS. Neste semestre, a equipe envolvida é formada por uma professora, uma funcionária e 12 alunos. Além do Núcleo Universitário de Farroupilha, a Cidade Universitária, o núcleo de Guaporé e os campi de Bento Gonçalves, Vacaria, São Sebastião do Caí e Canela também possuem o serviço prestado à comunidade carente.

Todo o processo é gratuito. Quem necessita do serviço é encaminhado ao SAJUCS, que realizará o atendimento. As ações são elaboradas e acompanhadas pelos alunos com a supervisão do professor responsável. "As ações que mais aparecem dizem respeito à violência à mulher, alimentos, divórcio, destituição do poder da família e inventários", ressalta a professora Adriane. A atuação dos alunos neste projeto voltado à comunidade traz diversos benefícios que, além de desenvolverem habilidades de atendimento e aprendizado técnico, levam os casos vivenciados para o resto de suas vidas: "poder ajudar essas famílias que, muitas vezes, dependem de uma decisão judicial, é um grande desafio. Sinto-me satisfeita em poder ajudar. Na hora dos atendimentos, devemos pensar em ser o mais profissional possível. No SAJUCS, temos a oportunidade de trazer aprendizados para a vida pessoal, além de poder auxiliar as outras pessoas e ter contato direto com o dia a dia de um advogado", finaliza Ana Paula.


Revista UCS - É uma publicação bimestral da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por conhecimento.

O texto acima está publicado na décima sétima edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.

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