1. Felipe Schaedler
Cidade: Manaus/AM

Um cardápio
variado de
influências
A técnica culinária ensinada tem características italianas, mas a Escola de Gastronomia da UCS, desde 2004, tem preparado chefs que se destacam pelo Brasil todo

VAGNER ESPEIORIN | vaespeio@ucs.br

Os bolinhos de chuva de Tia Anastásia instigavam o aroma e o paladar dos personagens da obra "Reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato. O livro deu origem ao Sítio do Picapau Amarelo e a construção narrativa/alimentar estimulou a imaginação de uma geração de leitores. Nesse mesmo mote, mas um pouco menos inocente, o escritor Jorge Amado foi intenso em sabores ao retratar a culinária da Bahia, seus acarajés, vatapás e muito mais. Da literatura à realidade, do Norte ao Nordeste, do Sul ao Centro-Oeste, a gastronomia domina os gostos e o imaginário.

Na Serra Gaúcha não é diferente. Por aqui, o tempero é brasileiro, mas o prato principal ficou por conta da cultura italiana que emprestou à região a influência das massas, dos molhos e de uma variedade de vinhos que dão orgulho à gastronomia regional. Nesse contexto fértil - e propício à mesa farta - a UCS deu origem, em 2004, à Escola de Gastronomia. Localizado em Flores da Cunha, o espaço de ensino se forjou com base na culinária italiana, mas tem ganhado, nos últimos anos, novas facetas. Também pudera! Nos cursos oferecidos, alunos de diversas partes do Brasil vêm até a Escola em busca de conhecimentos.

Apesar das influências, o prato principal da escolha é bem harmonizado: a enogastronomia. Foi por meio da extensão que começaram a ser oferecidos os primeiros cursos. Inevitável, porém, é o trocadilho: quem faz um curso na Escola de Gastronomia coloca a mão na massa. No curso intensivo de "Chef Internacional", os alunos realizam diversos módulos e vão da panificação clássica à análise sensorial de bebidas. O curso atrai os olhares de chefs de várias partes do país. Compomos um mapa para mostrar como essas influências podem ser comprovadas.

"Nós temos uma terra com muitos ingredientes e poucas receitas", constata o chef Felipe Schaedler. Para quem é habituado à oferta culinária da Amazônia, a afirmação tem todo sentido. É na região Norte que a gastronomia nacional tem encontrado suas influências mais genuínas. Peixes, raízes e sementes ajudam a dar um toque bem brasileiro a misturas que começam a fazer sucesso fora daqui.

Apesar de contar com um restaurante na capital amazonense - o segundo está próximo de ser inaugurado - Felipe é catarinense. Foi para o Norte, porém, antes de começar a formação em Gastronomia. Fixou residência na capital e investiu na carreira. Antes de entrar na sala de aula para estudar as técnicas, os ingredientes e as receitas, deu uma passada pelo mercadão da cidade, conversou com donas de casas, aprendeu na cultura popular muitas das características que até hoje permanecem em seu estabelecimento, o Banzeiro.

"Todo pessoal me ensinou qual era a essência da gastronomia local. O que foi bacana é que eu consegui utilizar muitas das técnicas da culinária italiana, algumas combinações de sabores que, por mais que aqui sejam diferentes, comecei a entender que poderia misturar", lembra.

Antes de fazer a mistura no Banzeiro, Felipe regressou ao Sul. Parou na Escola de Gastronomia e ficou por aqui por cerca de quatro meses. À época, ele precisava de uma alternativa relativamente rápida e com bom custo-benefício. Aliado a tais pontos, viu no território gaúcho um espaço promissor para aprender novas composições. Levou daqui muitas experiências.

"Em Manaus não tinha, na época, curso de gastronomia tão importante. Resolvi ir para o Sul e fiquei quatro meses. Consegui ter bastante conhecimento em pouco tempo. A grande maioria dos participantes da minha turma era de outras cidades e nós acabamos nos tornando uma grande família, porque eram vários alunos que se tornaram grandes amigos, e somos amigos até hoje".

Na volta para Manaus, Felipe guiou seu sonho e abriu o Banzeiro. Às técnicas obtidas no Sul, foram adicionadas muita pimenta de cheiro, farinha de mandioca, chicória, salsinha e peixes, ingredientes comuns no Norte. Além deles, passou a usar o puxurí, que é uma semente bem aromática, que lembra o cravo, a canela e o anis estrelado, e também o cumaru, considerada a baunilha da Amazônia. Esses ingredientes acabaram sendo preciosos na mesa do chef e não podem faltar na cozinha de Felipe.

"A culinária do Norte tem ganhado uma atenção especial. A Amazônia, de certa forma, é o quintal do mundo e tem muitas coisas legais para serem descobertas. As pessoas esperam muitas novidades, e ainda aguardam por provar esses sabores tão exóticos, tão diferentes, como tucupi, nossas pimentas e as farinhas. Aqui nós temos um pouco da comida genuinamente brasileira", finaliza o chef.

Características da culinária amazonense: Tambaqui, Pirarucu e Tucunaré, além de serem peixes, demonstram traços da influência indígena no Amazonas. Palavras nativas originadas dos primeiros habitantes do Brasil, esses pescados estão presentes na cozinha local. Mais afastado nas regiões Sul e Sudeste, onde o povoamento - e as influências estrangeiras são mais perceptíveis - o Estado viu uma culinária genuína se criar e ser valorizada. Atenção especial para os temperos e as frutas, somente encontrados por lá.

2. Dhi Ferrari
Cidade: Rio de Janeiro/RJ

O barulho da cozinha não parece combinar muito bem com os de uma aula, mas esse é um mero engano para quem nunca entrou numa cozinha que se transforma em espaço de ensinamentos. Já tem um certo tempo que Dhy Ferrari mantém no Rio de Janeiro uma Escola Gourmet, em que ensina especialmente como produzir saborosos doces.

Entre um confeito e outro, o Chef Diego Ferrari - seu nome oficial - decidiu abandonar temporariamente o calor carioca para aprender mais sobre a culinária italiana no frio da Serra Gaúcha. Em 2013, o convite partiu de um amigo e eles ficaram por dois meses no meio do ano, período em que as temperaturas despencavam.

"Sempre trabalhei com confeitaria, mas, quando posso, acabo optando por cursos que abordem outras técnicas", frisa o jovem chef. À época, chamou a atenção do estudante as aulas práticas do curso e o aprendizado obtido durante as aulas.

Característica da culinária fluminense: Durante um bom tempo, o Rio de Janeiro foi a capital brasileira e, como ponto de chegada de muitos portugueses, a culinária local se pauta pela influência açoriana. O bacalhau, por exemplo, é um ingrediente básico. Há, porém, um prato que combina bem com os cariocas - e com o samba, é claro! - a feijoada. Por lá, a receita é a rainha da quadra de ensaios das escolas.

3. Vera Chaves
Cidade: Campo Grande/MS

A Gastronomia pode até ter sido amor à primeira vista, mas demorou um pouco até que Vera Chaves resolvesse aderir à profissão da culinária. Durante 15 anos, ela exerceu a advocacia e resolveu deixar as leis e as jurisprudências no escritório e ampliar um outro espaço de casa: a cozinha. O início foi justamente na Escola de Gastronomia. À época, Vera morava no litoral gaúcho, resolveu pesquisar sobre locais que ensinavam a arte de cozinhar e conheceu a unidade da UCS. Depois de uma visita, julgou procedente: era hora de colocar o pé na estrada e as mãos nas massas e temperos.

"Sempre tive uma paixão por gastronomia e chegou uma época que resolvi assumir esta paixão. Larguei tudo, escritório, casa, família, amigos e mudei de mala e cuia para Flores da Cunha, onde residi por cinco meses, durante o curso. No início, morei em hotéis da cidade, depois aluguei uma casa com colegas da turma", recorda a chef que foi da segunda turma formada pela Escola.

Na mesa, Vera costuma colocar em sua comida as próprias origens. À brasileirice se somam características indígenas e portuguesas, influências da descendência. Depois da passagem pela Escola de Gastronomia, ela passou a administrar novas composições com um traço mais italiano.

"Fiz a opção pela Escola, justamente, por ter um pé na culinária italiana, que é simples, aromática e rica em sabores e cores", caracteriza Vera.

Há seis anos, ela se mudou para Campo Grande, no Mato Grosso Sul. Na cidade "morena e quente", como ela mesmo chama, Vera trabalha em uma escola técnica do governo do Estado, coordena o Curso Técnico em Cozinha e ministra aulas de Cozinha Regional, Brasileira e Internacional. Mas não para por aí. No "tempo livre", ela atua como personal chef e em consultorias de hotéis e restaurantes da capital e interior. O trabalho intenso tem rendido à Vera bons resultados: pelo segundo ano consecutivo ela foi indicada a concorrer ao Prêmio Dolma de Gastronomia, evento nacional que premia o melhor chef de cada Estado.

O reconhecimento reflete nas composições de Vera. Para ela, não se pode pensar na Gastronomia sem ingredientes frescos e regionais. A própria chef cultiva suas plantas e abomina o uso de temperos industrializados. "Minha culinária é simples, colorida, aromática e, principalmente, afetiva", explica. Para o Centro-oeste, onde mora, Vera levou os cheiros do litoral. Distante do mar, ela busca desenvolver pratos com peixes de água salgada, influência do tempo em que morava pelas praias gaúchas.

Características da culinária sul-mato-grossense: Afastado do mar, o Centro-oeste se tornou por um bom tempo região de atuação de tropeiros. Com uma história focada na cultura do gado, não é raro encontrar por lá influências da carne de boi, como o arroz campeiro. Pela cultura - e da pesca - se tem ainda influência dos rios, com muitos peixes de água doce. Ensopados também compõem o menu da região.



4. Daniela de Oliveira Leal Martins
Cidade: Belém do Pará/PA

Daniela ainda não concluiu o curso intensivo de Chef, mas todos sabem: na cozinha, o talento vem de família. De Belém do Pará, ela resolveu deixar por um tempo o restaurante "Lá em Casa" para se profissionalizar. Mantido há 43 anos, o estabelecimento gastronômico pertenceu ao pai de Daniela, Paulo Martins. Foi ele um dos pioneiros no Brasil a buscar uma identidade própria para a culinária nacional. Arquiteto de formação, sua maior obra foi ter levado ao país todos ingredientes típicos da Amazônia, como a pimenta de cheiro. Alex Atala, considerado um dos maiores chefs do mundo, já deu a entender que Paulo acabou influenciando sua própria gastronomia. Para Daniela, essas influências são ainda mais evidentes. Foi na cozinha que ela se criou.

"Costumo brincar dizendo que nasci nas panelas. Fui criada na cozinha da casa da minha avó paterna, onde ficava a doceria do restaurante", afirma. Para Daniela, os caminhos em direção à cozinha não foram uma escolha, tornar-se uma chef é consequência.

"Gosto tanto do que faço que saio do trabalho e vou pra casa cozinhar. Acho que a maior influência está no sangue, sou apaixonada pelo meu pai, ele é o meu exemplo de vida, ou seja, ele me influenciou em tudo, não tinha como não seguir os passos dele", reflete.

Depois de passagens por outras escolas de Gastronomia, ela optou pelo curso oferecido na Universidade de Caxias do Sul. Pesou a favor o tempo para a realização do curso. Em um período intensivo, os alunos aprendem técnicas preciosas. Daniela tomou conhecimento da Instituição por meio de amigos que concluíram os módulos. Apesar do frio - que a assusta um pouco - ela deixou temporariamente o Pará e tem gostado do resultado. Para a estudante, a distância pode ser um ingrediente interessante.

"Eu ter saído do Norte do Brasil, que tem hábitos culturais e alimentares diferentes, só faz com que eu abra o meu horizonte para o mundo. Hoje, a moda é a comida amazônica, porém moda passa e, por isso, temos que conhecer cada estado do nosso Brasil".

Características da culinária paraense: Impossível falar da culinária do Pará sem mencionar o famoso Pato no Tucupi. No Pará, a receita feita com o líquido de cor amarela extraído da raiz da mandioca brava chamado de tucupi e com jambu, uma erva típica da região Norte, é um sucesso. Assim como no Amazonas, as influências indígenas são bem perceptíveis.




Revista UCS - É uma publicação bimestral da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por conhecimento.

O texto acima está publicado na décima sétima edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.

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