JOSMARI PAVAN - jpavan@ucs.br
Fotos: Claudia Velho
Admirado e, na mesma medida, contestado por seus posicionamentos, o teólogo Leonardo Boff, 77 anos, é um homem inquieto. Suas ideias incisivas sobre temas como meio ambiente e política reverberam por trás de um semblante tranquilo e culminam naquela que talvez seja sua principal militância: para ele, é preciso que a humanidade transforme radicalmente o modo de encarar a vida, derrube paradigmas e substitua o individualismo pelo sentimento de coletividade.
Em visita à Universidade de Caxias do Sul (UCS) no mês de julho, onde comandou a abertura do Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul (Semintur), Boff atraiu centenas de pessoas e investiu em chamar a plateia à reflexão. Ética, hospitalidade e turismo foram ponto de partida de uma abordagem que se estendeu para reflexões sociais e humanitárias, temáticas que desde os anos 1960 o colocam entre os mais destacados pensadores brasileiros.
Ao discorrer sobre o prejuízo para a manutenção da vida das pessoas e do próprio planeta, que considera ser provocado pela globalização, o teólogo não se furtou de apresentar soluções possíveis, desde que aplicadas em escala global. "Nunca tivemos ameaças tão graves à vida humana na Terra. É um caminho sem retorno. Vivemos em estado de caos, mas é preciso investir no lado construtivo do caos e neutralizar o aspecto negativo. É do caos que surgem transformações", defendeu.
CASA COMUM - a alternativa da Ecologia IntegralVinte e dois anos depois de abandonar as atividades eclesiásticas por desentender-se com a cúpula da Igreja, tendo inclusive sido punido pelo Vaticano em virtude da militância pela Teologia da Libertação (leia mais na página ao lado) Leonardo Boff foi convidado pelo Papa Francisco a auxiliar na elaboração da Encíclica do Meio Ambiente. Diferentemente de documentos similares, a encíclica, lançada em junho deste ano, não se dirige apenas a católicos e defende que o futuro no planeta só será possível com uma mudança radical no trato dos recursos naturais.
O enunciado traz o conceito de Ecologia Integral, cunhado por Boff, que, ao propor uma ampla transformação nas relações com o meio ambiente, define o planeta como a 'casa comum', onde todos os seres vivos formam um ecossistema e são responsáveis por ele.
"Por trás das crises, há seres humanos; por trás das estatísticas, há verdadeiras vias-sacras do sofrimento. Quem vai para a Itália, Espanha, fica espantado ao ver as paróquias abrindo comedores públicos porque os milhares de desempregados não têm onde comer. Isso não aparece na imprensa porque é antissistêmico. Acontece que esse sistema não funciona mais. As crises devem servir para a busca pelo bem comum", alertou.
Para chegar a esse estágio, o teólogo aponta as universidades como espaços fundamentais de fomento à nova e necessária realidade, não podendo se resumir a 'chocadoras do sistema', como define. "Vejo nas universidades muitos jovens despolitizados e desinformados, que se preocupam em se formar para ter um bom emprego e ganhar dinheiro. Claro que dinheiro é importante, mas é preciso usar os conhecimentos adquiridos para o benefício das pessoas, para servir ao povo. Esse é o desafio ético", ponderou, justificando com um contraponto: "Falta um pouco de sonho à humanidade".
As ideias contestadoras transformaram a trajetória de Leonardo Boff. Membro da Ordem dos Frades Menores, na qual ingressou em 1959, teve papel ativo na criação da Teologia da Libertação - corrente teológica cristã surgida na América Latina nos anos 1960, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medelín. Ao considerar que o Evangelho coloca os pobres como prioridade, a teologia propõe a religião como meio para resolução de problemas e desigualdades sociais.
Após o doutorado em Teologia e Filosofia pela Universidade de Munique, Alemanha, em 1970, assinou diversas publicações sobre religião, direitos humanos, causas sociais, ecologia, espiritualidade e antropologia, tendo hoje mais de 60 livros lançados. Um dos mais importantes foi Igreja: Carisma e Poder que, em razão das teses em defesa da Teologia da Libertação, motivou um processo da Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, do Vaticano, que condenou o autor a um ano de 'silêncio obsequioso' e o depôs das suas funções editoriais e de magistério no campo religioso.
Segundo o site oficial de Boff, devido à repercussão mundial, a pena foi suspensa parcialmente em 1986. Porém, em 1992, ameaçado de uma segunda punição pelas autoridades de Roma, ele renunciou às atividades eclesiásticas e se autopromoveu ao estado leigo. No ano seguinte, ingressou na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) como professor de ética, filosofia e ecologia, mantendo também a atuação como teólogo da libertação, escritor e conferencista.
Revista UCS - É uma publicação bimestral da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por conhecimento.
O texto acima está publicado na décima oitava edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.