EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO PLENO

ARIEL ROSSI GRIFFANTE - argriffante@ucs.br | Fotos: Claudia Velho

ESPECIALISTA CELSO VASCONCELLOS DEFENDE SENSIBILIDADE NA DOCÊNCIA PARA GERAR APROPRIAÇÃO CRÍTICA, CRIATIVA E DURADOURA DO CONHECIMENTO

O professor como mediador da construção do conhecimento, provocando a reflexão e a iniciativa do aluno, de modo a desenvolver autonomia, disposição e visão para atuar com o conhecimento, capacitando-o a resolver situações nas diversas áreas da vida, é o postulado do educador Celso Vasconcellos para uma pedagogia direcionada à aprendizagem efetiva. Doutor em Educação pela USP, mestre em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP, filósofo, pedagogo e diretor do Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica, em São Paulo (SP), o especialista teceu relações sobre os princípios da educação para o desenvolvimento humano pleno em palestra para os professores da UCS promovida em encontro da reitoria com os docentes, em 18 de fevereiro, no UCS Teatro.

Com a experiência de 41 de seus 60 anos dedicados ao magistério, Vasconcellos contesta o modelo baseado na memorização mecânica de conteúdos. Para ele, o saber primordial do professor, além das necessárias competências técnicas, é "a capacidade de ajudar o outro a aprender", fundamentada no estabelecimento de vínculo humano com o aluno. Assim, defende a sensibilidade como primeira condição para a mestria. "Você pode fazer mestrado, doutorado, pós-doutorado, mas se não muda o olhar, não age a partir da sensibilidade, acaba enxergando menos o outro à sua frente", pontuou.

Atentando para os efeitos do "embotamento da sensibilidade", o educador frisou que o sucesso ou fracasso da relação professor-aluno decide-se nas primeiras aulas. "Preparar bem uma aula é, sobretudo, preparar-se interiormente para acolher aquelas pessoas com as quais se vai trabalhar, para que o aluno encontre, diante de si, alguém que realmente deseja ser professor dele", defendeu.

CONSCIÊNCIA DA INCOMPLETUDE

Para o educador, a problemática se estabelece quando o docente ignora a constituição histórico-cultural do magistério. "Muito professor não tem noção do seu valor, não percebe a importância da sua atividade, da repercussão na vida dos alunos e da sociedade. Outros têm enorme dificuldade de reconhecer seu erro. Trata-se do que falava Paulo Freire sobre a humildade: a consciência da incompletude. Saber que falta algo - que é um dos princípios básicos da pesquisa", destacou.

Tal distorção aconteceu, esclarece Vasconcellos, ao longo do processo de institucionalização das universidades, desde a Idade Média. "Num certo momento, para se tornar mestre ou doutor, deixou-se de comprovar a capacidade de ajudar o outro a aprender. Tinha-se que provar o domínio de determinada área. Virar mestre não teve mais nada a ver com processos de ensino-aprendizagem que vinham de Sócrates, Platão, Aristóteles, Cícero, Quintiliano, Agostinho", relatou.

DESENVOLVIMENTO PESSOAL

Esse desvio "impõe ao professor o desafio do desenvolvimento pessoal, que todo ser humano deve fazer: trabalhar o 'Sou' (autoestima), o 'Ainda não sou' (autocrítica) e o 'Posso vir a ser mais' (autossuperação)", define o especialista.

"Ser 'dador de aula' é muito fácil, mas atuar de fato com o desenvolvimento humano pleno, a alegria crítica de cada um e de todos, através da apropriação criativa, significativa e duradoura dos conhecimentos historicamente relevantes para a formação da consciência, do caráter, da cidadania, da preparação para o trabalho, é mais complexo. Uma coisa é ensinar algo a alguém, o que qualquer um faz; outra é ensinar os saberes necessários a todos. Isso é coisa de mestre", define Vasconcellos.

NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA

Vasconcellos ressalva que as contradições na prática pedagógica, além de inerentes ao ser humano, resultam também de fatores externos e objetivos - como classes superlotadas, pouco tempo para explorar conteúdos, carência de recursos técnicos e ausência de uma linha comum de trabalho. Contudo, concentra nos aspectos subjetivos, como a frágil formação pedagógica do professor e o pensar dicotômico, que opõe a potência discursiva/narrativa do docente com a autonomia/iniciativa do aluno, o apontamento daquilo cuja mudança está ao alcance da iniciativa pessoal. "Muitos professores exigem domínio científico por parte dos alunos, todavia, são altamente tolerantes com a falta de domínio científico deles em relação à sua atividade", justifica.

ESTAMPAGEM HISTÓRICA

O 'imprinting instrucionista' - herança da metodologia passiva (professor fala/aluno escuta) e de saberes fragmentados praticada desde o século XVI e impregnada nas instituições, docentes e estudantes, também é apontado pelo especialista como um dos principais entraves da pedagogia convencional. "De modo geral, na Educação Infantil trabalha-se muito bem o lúdico, mas, no primeiro ano do Ensino Fundamental se insere a ideia de que 'agora é sério': um aluno é colocado atrás do outro, o professor na frente. Quando o professor quer mudar o tipo de aula, muitas vezes a reação contrária é do próprio aluno, tão acostumado que está com um modelo estampado por anos", explica o educador.

QUERER, AGIR E EXPRESSAR-SE

De acordo com Vasconcellos, a construção do conhecimento implica "articular as várias esferas da existência - o mundo objetivo, o social, o subjetivo e o espiritual (transcendente, que vai além dos interesses imediatos e oferece sentido para a vida)".

Assim, enquanto mediador desse processo, o professor ganha condições de desencadear ações didáticas para resgatar o aluno com dificuldade. "Não há receita, porque a situação em sala de aula é muito complexa, mas há métodos - caminhos para atingir finalidade partindo de uma dada realidade".

'ALEGRIA CRÍTICA'

O primeiro deles é a revisão do trabalho com o conhecimento. "Para conhecer é preciso querer, agir e expressar-se. Então, o professor não vai esperar que o aluno venha motivado, mas mobilizá-lo a situações de ação onde há propriamente a construção do conhecimento e a expressão da síntese", recomenda.

A oferta de um currículo com projetos, transformando a pesquisa em princípio educativo; a avaliação formativa, voltada a qualificar em vez de classificar e excluir; e o zelo pelo relacionamento interpessoal são indicações do educador para o atendimento das exigências subjetivas para o aprendizado, despertando a 'alegria crítica' em sala de aula, "que ocorre quando o aluno percebe-se capaz de resolver situações em diversas áreas da vida".


VASCONCELLOS EM CITAÇÕES COMENTADAS
  • 'Grande parte da pessoa é o professor, e grande parte do professor é a pessoa', Antonio Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa
    CV: "Nenhuma outra pessoa, além da família, tem tanta influência na formação do indivíduo. E a docência é uma das atividades mais fundamentadas nos valores pessoais daquele que a desempenha"
  • 'O mestre orienta os discípulos e, nos momentos de depressão, os discípulos reorientam o mestre', Michael Bloomberg, empresário norte-americano, ex-prefeito de Nova York
    CV: "Isso só pode ser bom para todos, e acontece tendo sido criado vínculo antes".
  • 'Se o aluno não está aprendendo do jeito que estou ensinando, devo ensinar de um jeito que ele aprenda', Howard Gardner, psicólogo educacional norte-americano
    CV: "O que se espera não é uma mera transmissão do conhecimento, mas que o professor cuide para que aluno aprenda"
  • 'Amar é um respeito pela individualidade, pela singularidade. Amar nos permite ser vistos, ter presença, ser escutados, enfim, existir como pessoa', Humberto Maturana e Ximena Dávila, neurobiólogo e professora chilenos, teóricos da matriz biológico-cultural da existência humana
    CV: "A primeira coisa que o aluno quer, antes de qualquer conteúdo, qualquer matéria, é ser reconhecido como pessoa. O amor é princípio e fundamento da existência - é o que mais buscamos. As pessoas buscam beleza, dinheiro, poder, brilhantismo intelectual para serem amadas. Muitas vezes o aluno está buscando esse amor".
  • 'Amar é um tipo de comportamento em que não há expectativas e preconceitos. Impera a aceitação do outro da forma como ele existe', Humberto Maturana e Ximena Dávila
    CV: "O afeto enquadrador é aquele que diz 'eu te amo se você entrar no meu esquema'. O afeto radical é aquele que aceita o outro como ele é. Se ele errar, você fica contra o erro, não contra ele. Lembrando Santo Agostinho, 'Odeie o pecado, mas ame o pecador'. É um fundamento que precisamos vivenciar porque, no princípio da aprendizagem, do ensino e da própria existência, está a dinâmica do amor".




Revista UCS - É uma publicação bimestral da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por conhecimento.

O texto acima está publicado na décima nona edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.

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