Percorrer os caminhos que partem da Cidade Universitária, em Caxias do Sul, rumo aos municípios da região de abrangência da UCS, é vivenciar a pluralidade de paisagens, realidades e sotaques de um povo que, de alguma forma, é influenciado pelos reflexos da Universidade.
Suas identidades estão marcadas por seus bens culturais. Bens que carregam o cheiro da uva madura no interior de Bento Gonçalves. A imensidão dos Campos de Cima da Serra e suas plantações de grãos sem fim. O charme e a preservação da cultura no turismo da região das Hortênsias. A força do trabalho que transforma a terra em cerâmica no Vale do Caí. O espírito empreendedor dos descendentes de imigrantes italianos que gira a roda do crescimento nas pequenas cidades.
Quem tem a oportunidade de conhecer essas realidades percebe que, de alguma forma, a UCS está presente nesses cenários. Em 1993, quando a Universidade ultrapassou as fronteiras de Caxias do Sul, muitos avanços foram percebidos por meio da produção e socialização do conhecimento para uma população de cerca de um milhão de habitantes nas suas unidades nos municípios de Bento Gonçalves, Vacaria, Farroupilha, Guaporé, Veranópolis, Nova Prata, Canela e mais tarde em São Sebastião do Caí.
E, para perceber a importância desse processo, mais do que visitar prédios, laboratórios ou bibliotecas, é preciso ouvir integrantes da comunidade. Por isso, a nossa equipe de reportagem viajou mais de mil quilômetros para recolher relatos de oito pessoas que vivenciaram a UCS.
Liderança
que vem de berço
Nem bombeiro, nem astronauta. Prefeito. Era isso o que Guilherme Pasin, 30 anos, atual prefeito de Bento Gonçalves, uma cidade de mais de 100 mil habitantes, dizia quando questionado na infância sobre a futura profissão. Os bancos escolares foram cenário para o nascimento de uma liderança, que participava ativamente dos grêmios estudantis.
Na hora da decisão pelo curso superior, a primeira escolha foi pelo curso de Direito em uma universidade de Porto Alegre. "Coisa de jovem, que quer viver a liberdade de morar fora", conta. Um ano e meio na capital foi suficiente para ele perceber o quanto a sua terra natal podia lhe oferecer, principalmente em Ensino Superior. "Percebi que a minha casa era em Bento Gonçalves. Transferi o curso para o Campus Universitário da Região dos Vinhedos. Com o passar do tempo, vi que foi a melhor decisão, pois a estrutura da UCS proporcionou-me uma formação completa", avalia. Concomitante ao curso de Direito, Guilherme fez, também, o curso superior de Formação Específica em Gestão Pública. O curso ideal para um líder nato, que, em 2007, foi presidente do Diretório Acadêmico da Região dos Vinhedos/ UCS.
Como um bom descendente de imigrantes italianos, correu atrás da realização do seu sonho de infância e preparouse para chegar aonde está. Ele também já foi assessor na Assembleia Legislativa e Câmara dos Deputados, assessor técnico e chefe de gabinete da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul. Guilherme afirma que aliou à sua determinação os conhecimentos obtidos na UCS. "Sou muito grato à Universidade. Coloco em prática dia a dia os conceitos que me foram passados tanto no curso de Direito como no curso de Gestão Pública. A UCS fez de Bento Gonçalves, além de um polo econômico, referência em educação para os municípios vizinhos", acrescenta.
Santo de casa
que faz milagre
Antes de morar em Vacaria, Eduardo Fetzner, 28 anos, vivia, na infância, a realidade da agricultura familiar no município de São José do Ouro. Na hora do vestibular ele não teve dúvida na escolha pelo curso de Agronomia, ainda mais que o curso desejado era uma das ofertas do Campus Universitário de Vacaria. "Ter a UCS aqui foi muito importante. Além disso, fui bolsista ProUni, o que possibilitou a realização do meu sonho", ressalta.
Ele graduou-se no início de 2011, na primeira turma de Agronomia em Vacaria. Do curso ele traz boas recordações, como a qualificação dos professores e a estrutura da UCS. "Para nós é muito importante termos esse curso aqui, pois além da sala de aula, temos um laboratório a céu aberto", declara, referindo-se aos milhares de hectares ocupados com a agricultura e a pecuária da cidade. Eduardo hoje é engenheiro agrônomo da Cooperval, cooperativa que reúne 240 produtores de grãos de Vacaria, que plantam em uma área de cerca de 70 mil hectares. Atualmente, junto ao setor de fruticultura, os grãos estão no topo da cadeia produtiva da cidade.
Entre as atividades de Eduardo, estão o manejo dos campos de sementes, desenvolvimento de projetos e assistência aos associados. "É preciso dedicação para enfrentar o sol, a chuva, o frio e o calor nas lavouras", explica. Mas ele não reclama e conta que a empregabilidade de quem sai do curso é de praticamente 100%, além da remuneração ser a mais alta entre as possibilidades profissionais para um jovem em Vacaria. "Antigamente, era preciso que viesse gente de fora, pois não tinha mão de obra qualificada. Hoje a situação é diferente", declara o engenheiro, demonstrando que santo de casa faz milagre e promove o desenvolvimento regional.
Visão profissional
para a empresa familiar
Um milhão de telhas e quatro mil metros de piso de concreto. Essa é a média da produção mensal da João Vogel Telhas e Pisos, de Bom Princípio, uma empresa familiar, com raízes na tradição cerâmica dos imigrantes alemães da região do Vale do Caí. A empresa, que funciona em três turnos, emprega 95 funcionários. Quem visita o local percebe a organização do trabalho que não para, movido pela força do fogo dentro dos grandes fornos que queimam o barro.
Camila Werner Vogel, 28 anos, é a responsável pelo departamento comercial da empresa, que iniciou suas atividades há 15 anos, fundada pelo seu pai João Vogel. Daquele início ela guarda boas lembranças. "Com 16 anos, eu tinha a responsabilidade de preencher as notas fiscais da comercialização dos produtos. Na época, algumas funções eram distribuídas entre os familiares", lembra. Com o ingresso, em 2003, no curso de Administração na unidade da UCS em São Sebastião do Caí, Camila pôde adquirir conhecimentos hoje empregados no negócio da família. "Com o tempo fui trabalhando na organização, separando as tarefas e criando setores, como o financeiro, o de recursos humanos e o de agendamento de cargas", explica. "Ter a UCS no Vale do Caí facilita a vida de muitos jovens que teriam que se preocupar com o deslocamento, pois a maioria trabalha durante o dia e estuda à noite", enfatiza. Facilitar o acesso ao conhecimento é um dos objetivos da UCS com a regionalização. E, assim como o barro transforma-se em telha, a qualificação profissional desenvolve a região.
Turismo com aroma de torta de maçã
A paisagem de conto de fadas exalta-se em meio à mata nativa que circunda o Arroio Caracol, em Canela. Se fosse uma pintura, o quadro não poderia ser mais perfeito, pois o cenário completa-se com um pequeno castelo feito de araucária, construído no início do século passado, em 1913. O Castelinho Caracol, naquele tempo residência do casal descendente de imigrantes alemães Pedro e Luiza Franzen, desde 1985 abriga um museu e casa de chá, hoje administrado pela bisneta Martina Bethge Corrêa, 33 anos. Ela é a guardiã da receita do apfelstrudel, torta de maçã tradicional da cultura germânica, cozida no fogão à lenha, que leva também nozes, passas e canela. Os visitantes podem degustar a iguaria ainda quente, acompanhada de nata.
"O cheiro do apfelstrudel e do chá de maçã exala pela casa inteira. Penso que o turismo deva preservar as raízes da cultura local, que é a essência do nosso trabalho aqui no Castelinho", afirma Martina, cuja mãe Erna Bethge Corrêa também atua na administração local e foi sua grande incentivadora. O pai, Luiz Fernando, igualmente trabalha com turismo, no Grande Hotel Canela, de propriedade da família. Ela graduou-se em Turismo, em 2004, curso realizado no hoje Campus Universitário da Região das Hortênsias. "Foi fundamental ter o curso aqui perto, na época, um dos poucos do Brasil. Em cinco minutos eu estava na Universidade e isso facilitou bastante a minha vida, pois, ao mesmo tempo, eu podia trabalhar e morar na casa dos meus pais", ressalta. Martina aplica os conhecimentos acadêmicos no seu negócio e evidencia que o aprendizado obtido no curso auxilia no planejamento de suas atividades. O conhecimento é mais um dos ingredientes que fazem do Castelinho Caracol um dos destaques no turismo da região.
Uma carreira global
de sucesso
Cerca de 20 quilômetros separam Caxias do Sul do vizinho município de Farroupilha. Há algumas décadas, a distância demonstrava ser maior. Dificuldades financeiras e de transporte público eram um empecilho para jovens que buscavam um curso superior na UCS. Foi o caso de Juarez Zinn, 48 anos, hoje gerente de exportação da Tramontina S.A. Cutelaria, em Carlos Barbosa. Em 1992, ele ingressou no curso de Ciências Econômicas, em Caxias do Sul. Mas tão logo a unidade em Farroupilha iniciou suas atividades, em 1993, inscreveu-se no curso de Comércio Exterior (hoje Comércio Internacional).
O ingresso na Tramontina, referência no ramo de utensílios e presente em 120 países, ocorreu em 1983 como inspetor de qualidade. Após alguns anos, passou a trabalhar na área de comércio internacional da empresa. "Pude aliar a prática com os conhecimentos acadêmicos. Inclusive, o meu Trabalho de Conclusão de Curso, sobre o comércio internacional no Canadá, serviu de base para um projeto que foi aplicado pela empresa na Austrália", conta. Juarez veio do município de General Câmara, ainda criança, com a família para Farroupilha. Ele já visitou todos os continentes, somando mais de 80 países. Durante três anos, viajou periodicamente à Austrália, além de ter vivido por três anos em Paris. "Aprendi muito sobre a cultura de diferentes povos", relata. O comércio internacional na região dava os primeiros passos quando ingressou na área. Sua trajetória nos faz perceber um paradoxo, se compararmos a representação das distâncias ao longo das últimas décadas. Se Farroupilha e Caxias pareciam distantes no passado, o mundo hoje apresenta-se pequeno para profissionais como Juarez.
"Estudem", aconselha seu Celestino
Religião, comida caseira e uma vida sem estresse. Essa é a receita de vida longa de Celestino Costella, 86 anos, o aluno com mais idade na UCS hoje. Ele é de Veranópolis, cidade conhecida como a terra da longevidade. Ele já fez três anos do curso de Pedagogia. O ingresso no curso ocorreu na unidade de Bento Gonçalves, mas várias disciplinas foram feitas no Núcleo Universitário de Veranópolis. Cerca de três vezes por semana, seu Celestino se despede da esposa Maria, com quem está casado há 62 anos e tem 11 filhos, caminha algumas dezenas de metros até o acostamento da RS 470 e embarca no ônibus com destino à Universidade.
Ele relata com entusiamo e detalhes como foi sua vida estudantil. Com seis anos, ingressou em uma escola rural da localidade veranense de São Valentim. "Comecei o primeiro livro com meu primeiro professor Davide Gasparin", recorda. Uma vida inteira de trabalho, com início na agricultura e depois em uma pedreira, deixou seu Celestino longe dos estudos. Ele sentia muita falta do conhecimento, principalmente da escrita. Como sempre atuou em entidades religiosas e sociais, a hora de escrever a ata das reuniões era um grande sacrifício. Após a aposentadoria e de 74 anos longe dos bancos escolares, seu Celestino fez o EJA (Educação de Jovens e Adultos), completando até o Ensino Médio. Foi também para a Itália estudar italiano por um mês na Università di Perugia, fez curso de informática para a Terceira Idade em Caxias do Sul e, em 2009, chegou a vez de encarar um curso superior. "Se eu não vou à aula, fico perdido", resume. E para os jovens ele aconselha: "Estudem, que o estudo nunca leva ao mal."
O empreendedorismo
que faz voar alto
A cidade de Guaporé - nacionalmente conhecida pelo seu autódromo -, que tem no mercado de joias e lingerie pontos fortes da sua economia, está em pleno desenvolvimento. Hoje são cerca de 200 empresas voltadas ao ramo joalheiro e 150 de lingerie. "'Se o meu vizinho está progredindo no ramo de joias, por que eu também não posso?', pensam as pessoas daqui, muitas delas descendentes de imigrantes italianos, que trazem na genética características empreendedoras. A cidade investiu em um nicho de mercado, que hoje é referência da sua identidade cultural", afirma Cesar Presotto, 48 anos, proprietário da Joias Condor, referência nacional na fabricação de joias e assemelhados.
O início da carreira ocorreu com 18 anos, por necessidade. "Comecei a vender joias para pagar despesas da faculdade", conta o empresário, que cursava Direito em Passo Fundo. Por motivos profissionais, o curso de Direito acabou não concluído. A volta ao Ensino Superior ocorreu em 2004, quando Cesar ingressou no curso de Administração do Núcleo Universitário de Guaporé, aliando o seu conhecimento prático ao acadêmico. "Espero que cada vez mais a Universidade possa atender às nossas demandas. É importante termos uma unidade da UCS, pois os talentos locais são formados e permanecem aqui, contribuindo com o desenvolvimento regional", afirma. Conhecer a trajetória de Cesar e das Joias Condor é compreender o porquê da inspiração do nome da empresa em um pássaro de voos tão altos, que identifica-se muito bem com a essência empreendedora do povo de Guaporé.
Preparação para multitarefas
"A universidade é responsável por gerar interrogações. Promove qualidade de vida, desenvolve a capacidade intelectual, muda a forma como as pessoas veem e agem. Sempre digo para os meus alunos: os teus olhos só podem ver o que a mente está preparada para enxergar. Por isso o conhecimento é tão importante", afirma Luciano Toscan, professor no Centro de Ciências da Administração, refletindo sobre a importância que tem uma instituição, como a UCS, estar presente no município de Nova Prata.
Luciano, 35 anos, dá aulas em diferentes unidades da UCS desde 2006. Sua trajetória profissional é bastante plural. Os primeiros passos no mundo do trabalho envolveram atividades de mecânica de automóveis. O ingresso no curso de Administração do Núcleo de Nova Prata, em 1992, abriu um leque de oportunidades. Foi nessa época que nasceu o sonho de tornar-se professor. Após finalizar o curso, foi convidado a lecionar as disciplinas de Administração e Contabilidade para cursos técnicos em uma escola particular. Também foi secretário de Finanças do município de Nova Prata. Nesse tempo continuou investindo em formação acadêmica: cursou a especialização em Gestão de Estratégias Empresariais na UCS em Veranópolis e fez mestrado em Engenharia: Energia, Ambiente e Materiais pela Ulbra.
Ainda, paralelamente, tornou-se sócio em duas empresas, a Projeconsult, que presta consultoria ambiental, e a Manutec, empresa de manutenção e projetos industriais. Todas essas experiências são compartilhadas com os alunos em sala de aula. "O profissional hoje tem que ser plural, precisa conhecer um pouco de tudo e estar preparado para as oportunidades", resume Luciano, que além de professor, empresário e vereador, também encontra tempo para participar de entidades de classe, entre outras tarefas.
Fotos: Daniela Schiavo
Revista UCS - Publicação mensal da Universidade de Caxias do Sul, de caráter jornalístico para divulgação das ações e finalidades institucionais, aprofundando os temas que mobilizam a comunidade acadêmica e evidenciam o papel de uma Instituição de Ensino Superior.
O texto acima está publicado na primeira edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.