Cultura Afro
Educar para a diversidade é antídoto para o preconceito

Mudanças comportamentais efetivas e verdadeiras decorrem quase sempre de um processo de reflexão mais profundo e, nesse sentido, o mundo da educação é o lugar essencial e privilegiado onde se pode desenvolver o debate sobre cidadania, identidade e diversidade cultural.

A cena em que dois meninos negros são expulsos de um clube com a advertência de que "aqui não é lugar para vocês" emociona o público e faz subir os índices de audiência da novela das seis. Sucesso de público e de crítica, a novela de época abordava a luta da população negra para integrar-se à sociedade nos anos que se seguiram à proclamação da Lei Áurea, ato que é relembrado a cada 13 de maio, como a declaração oficial de que estava extinta a escravidão no país. Datas comemorativas são criadas para celebrar, para tirar do esquecimento e do silêncio, fatos, acontecimentos e personagens que têm importância na história de um grupo, comunidade ou nação. Datas comemorativas mobilizam as memórias coletivas que fazem parte da identidade nacional e nos fazem pensar sobre o mundo que desejamos construir. 125 anos se passaram do fim da escravidão e as cenas da novela das seis ainda continuam a nos assombrar, colocando por terra o velho mito da democracia racial brasileira.

No início deste ano, ao tratar do episódio ocorrido em uma revenda de carros no Rio de Janeiro, em que um menino negro é expulso da loja enquanto esperava seus pais adotivos - e brancos -, a ministra Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República foi taxativa: "Preconceito racial não é mal-entendido, não é brincadeira, é crime e impacta na vida e na morte de milhares de jovens negros, no acesso a bens e serviços, em toda a sociabilidade de cidadãos e cidadãs, negros e negras."

Políticas afirmativas

Constituída por diferentes grupos étnicos-raciais, a sociedade brasileira possui uma rica diversidade cultural, muito admirada internacionalmente. Entretanto, internamente, ainda são necessárias políticas públicas para a superação das desigualdades causadas pela discriminação racial. Em fevereiro deste ano foi lançado o 1º Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, que reúne um conjunto de políticas públicas que buscam a garantia de direitos, a proteção do patrimônio cultural e da tradição africana no Brasil. Esse instrumento veio juntar-se, entre outros, ao Estatuto da Igualdade Racial, criado em 2010, e à Lei 10.639, de janeiro de 2003, que instituiu o ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira na rede de ensino. Em 2004, essa Lei foi modificada para abranger também a história e a cultura indígena.

Um novo olhar

Rafael José dos Santos é antropólogo com Doutorado em Ciências Sociais e participa do programa de pós-graduação em Letras, Cultura e Regionalidade da UCS. Como estudioso da cultura brasileira, ele acredita que "a inclusão do estudo da história e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares nos leva a um questionamento: por que foi necessária uma lei que contemplasse algo que efetivamente é parte da História do Brasil? Existem vários motivos. Um deles, sem dúvida, é o silêncio a respeito da população escrava e de seus descendentes. Quando estes aparecem nos conteúdos escolares, quase sempre são descritos apenas como a mão de obra predominante até quase o final do Império. Além disso, as contribuições culturais afro-brasileiras são, na maioria das vezes, tratadas como folclore, não como parte integrante do processo de construção da Nação". Para o professor, a Lei 10.639 surge com o intuito de promover um novo olhar sobre os negros no Brasil e, assim, corrigir os estereótipos que ainda permanecem no senso comum a respeito dos africanos e afrodescendentes.

CETEC Festival

No mês de março, o professor Rafael participou como convidado do Centro Tecnológico Universidade de Caxias do Sul - CETEC para uma aula especial com os alunos da 1ª e da 2ª série do Ensino Médio. Sua palestra "África, Áfricas" enfocou os aspectos históricos e sociais da escravidão no Brasil e de como esse fenômeno ainda repercute na sociedade brasileira. No mês de abril, os professores José Carlos Monteiro e Lucas Caregnato também participaram de atividades de preparação dos alunos para o CETEC Festival, que terá como tema neste ano a África e a Cultura Afro-Brasileira. Eles falaram, respectivamente, sobre "Cultura e preconceito" e sobre a "Cultura afro-brasileira na Região da Serra Gaúcha". "O Brasil se formou do encontro de diversas culturas e sabemos que é papel da escola mostrar a importância desse patrimônio histórico como parte da nossa identidade nacional. O projeto político-pedagógico do CETEC tem como finalidade essencial formar um cidadão comprometido com o seu tempo e com a construção de uma sociedade mais justa." Para a diretora Ana Cesa, o conhecimento sobre a história e a realidade social pode ser um antídoto para atitudes de preconceito e discriminação.

Além de filmes, palestras, exposições fotográficas e viagens de estudos, a pesquisa dos estudantes está sendo norteada pelo material do Projeto "A Cor da Cultura", fruto de uma parceria entre o Canal Futura, a Petrobras, o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan), a TV Globo e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que visa a suprir as escolas dos recursos e práticas positivas que apresentam a história e a cultura afro-brasileira de um ponto de vista afirmativo. Na última semana de junho, a história e a cultura afrobrasileira estarão no palco do UCS Teatro. Durante quatro dias, as turmas do CETEC vão apresentar suas produções teatrais, resultado das pesquisas e vivências sobre um tema que permeia as relações sociais em nosso país.

(Texto: Conceição Afonso)



Revista UCS - Publicação mensal da Universidade de Caxias do Sul, de caráter jornalístico para divulgação das ações e finalidades institucionais, aprofundando os temas que mobilizam a comunidade acadêmica e evidenciam o papel de uma Instituição de Ensino Superior.

O texto acima está publicado na terceira edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.

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