A sala de aula se caracteriza por um ambiente múltiplo: alunos com identidades próprias, gostos específicos e com bagagem cultural individualizada. Nesse contexto em que várias realidades se misturam, existem ainda os casos de estudantes que apresentam algum tipo de deficiência. Intelectual, sensorial ou física, as dificuldades precisam ser amenizadas e o potencial de cada aluno estimulado.
A professora Carla Beatris Valentini, do Centro de Filosofia e Educação, conhece bem as características que permeiam a sala de aula. Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Educação, ela desenvolve trabalhos que relacionam os processos de inclusão com a inserção das tecnologias no ambiente educacional.
"Aparelhos como os celulares e computadores estimulam a comunicação entre pessoas surdas, por exemplo. Elas podem ter uma comunicação mais rápida, dando significado real para a escrita, de forma assíncrona e até sincrônica, como nos chats de internet", reflete.
Ao professor da sala de aula, no entanto, o processo de incluir, por si, não é fácil. "Ele precisa construir aulas que contemplem todos os estudantes e que potencializem as características de cada um", sintetiza Carla.
Quando a tecnologia é inserida no ambiente escolar, as dificuldades se ampliam. Docentes devem ter conhecimento sobre as deficiências de seus alunos. No momento em que as tecnologias são inseridas no ambiente educacional, o professor tem ainda a tarefa de compreender que elas podem potencializar a comunicação e o aprendizado. E mais: fazer com que as tecnologias cheguem à criança e ao adolescente que apresentam características especiais.
O projeto "Inclusão no Ensino Superior: avaliação de um objeto de aprendizagem para qualificação de docentes", coordenado por Carla, e que conta com a participação da professora Cláudia Bisol, desenvolveu um objeto de aprendizagem na forma de portal na internet para auxiliar os professores a lidarem com essa realidade múltipla.
A página do Projeto Incluir quer despertar a atenção dos usuários, provocando a reação deles para as práticas em sala de aula. O objetivo ousado só não é maior que a motivação do grupo de pesquisa.
O objeto foi apresentado diretamente a 110 pessoas, por meio de oficinas direcionadas a diferentes grupos: professores de Ensino Médio, Ensino Superior, pesquisadores em Evento Científico, e para alunos de Graduação.
"Um objeto digital precisa ser usado no aprendizado. Queremos inicialmente que os professores possam refletir e ressignificar a forma como percebem a diversidade e ampliar as possibilidades de sua prática docente", relaciona.
Esse projeto de aprendizagem também foi apresentado, em outubro, na 7ª Conferência Latino-Americana de Objetos e Tecnologias de Aprendizagem, que ocorreu na cidade de Valdivia, no Chile. Na mostra científica, o produto virtual concorreu com outras experiências internacionais e foi premiado como melhor trabalho. "Essa conquista era um grande desejo que agora se tornou realidade. Dentre tantos objetos, de muitos países, fomos o grande vencedor",comemorou a professora que tem dedicado sua atenção à quebra de paradigmas e a provocação à nova formatação da escola.
Bolsista do projeto, a acadêmica de Psicologia Camila Fistarol se viu diante de um problema de pesquisa. Levada a analisar a relação de estudantes do Ensino Fundamental com as tecnologias do programa Um Computador por Aluno (UCA), disponibilizado pelo governo federal às escolas públicas, a acadêmica se deparou com um caso de autismo.
Ao observar um menino de 7 anos, Camila notou o transtorno e passou a avaliar, durante quinze aulas, a reação da criança diante do computador. "O autismo é um transtorno que se dá no contato do indivíduo com o outro e com a realidade que o cerca", explica de forma simplificada. Ainda conforme ela, essa dificuldade de interação se prolongou à tecnologia ofertada pela escola. "A criança teve dificuldade de relacionar o que ele escrevia no teclado com o resultado no monitor", percebeu a estudante de psicologia.
A dificuldade é comum ao tipo de transtorno apresentado pela criança. Segundo Camila, o laptop foi trocado por um tablet. A substituição permitiu maior interação do autista com a tecnologia e com a realidade de sala de aula.
"Apesar de simples, o movimento de inclusão permitiu que o aluno tivesse uma maior participação na aula. Observar esse problema e estudar esse caso enriqueceu a minha pesquisa", qualifica.
No entanto, seu trabalho é enfático quando o assunto é a inclusão digital na sala de aula. "Há um despreparo para a inclusão da criança especial no contexto escolar", finaliza.
A navegação em ambientes virtuais representa uma descoberta aos alunos que apresentam algum tipo de deficiência, mas é antes um desafio aos professores que devem pensar nos processos de inclusão na sala de aula.
A mestranda em Educação, Adriana Marcolin, pesquisa como as ferramentas de informática auxiliam na inclusão de alunos com paralisia cerebral. Sob a orientação da professora Carla, a pedagoga verifica como as escolas e os docentes utilizam o software Boardmaker, programa de comunicação alternativa que utiliza símbolos de comunicação pictórica. Por meio dele, o professor consegue produzir situações que provoquem o desenvolvimento dos processos comunicativos dos alunos. Até 2014, o governo federal pretende encaminhar às instituições escolares brasileiras mais de 42 mil exemplares do software.
Adriana desenvolve a pesquisa com professores de escolas de Vacaria, cidade onde mora. Ela quer verificar como o programa é utilizado em sala de aula, no período de agosto de 2011 até dezembro de 2012. Com essa meta, entrevistou 10 docentes de escolas públicas, mas limitou o estudo a três deles - justamente os que trabalhavam com alunos com paralisia cerebral.
"Nota-se uma falta de preparo dos professores com a ferramenta. Todos pontuaram que ela auxilia efetivamente na sala de aula, mas há, por questões de formação, limitações no uso do software", analisa.
Adriana foi levada a pesquisar os processos de inclusão a partir de uma vivência prática. Professora de Atendimento Educacional Especializado na Rede Municipal de Ensino de Vacaria, ela percebia a dificuldade dos docentes em darem aula aos alunos com necessidades especiais. Ao se propor a investigar os processos de inclusão, a professora não se preocupou com o desafio. A paralisia cerebral - lesão encefálica que causa perda motora e/ou capacidade cognitiva - foi escolhida como objeto de investigação por um só motivo: "Quanto maior a limitação, mais as pessoas têm resistência em enfrentá- -la e menos elas acreditam que haja educação inclusiva", conta Adriana, ao demonstrar um cálculo perverso. Por meio de sua pesquisa, a mestranda soma mais humanidade à prática educativa. As pessoas com deficiências agradecem pelo resultado.
(Texto de Vagner Espeiorin)
Revista UCS - Publicação da Universidade de Caxias do Sul, de caráter jornalístico para divulgação das ações e finalidades institucionais, aprofundando os temas que mobilizam a comunidade acadêmica e evidenciam o papel de uma Instituição de Ensino Superior.
O texto acima está publicado na quarta edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.