Se todos os documentos da escravidão tivessem sido queimados, seria possível contar a história da escravidão a partir da literatura? Essa pergunta poderia fazer com que algumas pessoas pudessem desistir do seu objetivo ou de algum projeto importante para a sua vida. Mas não foi o que aconteceu com a professora do Mestrado Acadêmico em Letras, Cultura e Regionalidade e do Doutorado em Letras, Marília Conforto, decidida a desenvolver uma pesquisa de mestrado sobre a escravidão no Brasil.
Essa não era a ideia inicial de Marília, mas sim uma proposta feita pelo seu orientador, um dos mais renomados pesquisadores da história da escravidão no Brasil, professor Mário José Maestri Filho. A primeira atitude dela, então professora da rede estadual de ensino de Porto Alegre, foi recolher os cerca de 70 livros entregues pelo seu orientador e iniciar suas pesquisas. "Eu não sabia aonde estava me metendo, mas isso tudo resultou na minha dissertação de mestrado."
Em 1994, após a conclusão do Mestrado em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Marília não hesitou e seguiu para o Doutorado em Letras. A vida da pesquisadora pode ser resumida da seguinte forma: de criança, que ouvia histórias contadas pela mãe antes de dormir, à doutora em Letras. Fatos que marcaram sua infância e adolescência podem antever a trajetória intelectual da filha mais velha de uma família de cinco irmãos, que aos 15 anos já havia lido todas as obras de Érico Veríssimo e Jorge Amado. Talvez isso explique o seu envolvimento com a literatura.
A pesquisadora cresceu interagindo com a intelectualidade do pai, formado em cinco cursos: Filosofia, Matemática, Física, Química e Engenharia Civil e da mãe (largou o curso de Medicina para se dedicar à criação dos filhos e, mais tarde, com os filhos criados formou-se em Sociologia). "Sentávamos à mesa para jantar e ficávamos ouvindo meus pais falando de diversos temas e citando nomes como Aristóteles e Marx. Conforme íamos crescendo, eles aumentavam a dificuldade das reflexões sobre determinados assuntos. Por conta disso, consigo trabalhar muito bem com a interdisciplinaridade nas minhas pesquisas e durante as minhas aulas", explica.
Marca também a sua infância, o gosto pela leitura de enciclopédias. "Quando estava na escola, prestava atenção nas aulas de história sobre costumes e civilizações. Nas outras aulas eu desligava. Passava o tempo todo desenhando o que lia nas enciclopédias", comenta.
Ao contrário do que muitas pessoas imaginam de uma professora, Marília não sonhava com a docência, iniciada em 1979. "Aos quatro anos de idade eu já tocava piano, até que minha mãe me matriculou na Escola Normal (hoje Magistério). Descobri um universo de trabalho com o qual me dei muito bem, muito distante da minha ideia inicial, que era ganhar a vida tocando piano."
Hoje, a pesquisadora considera o trabalho com os alunos e orientandos o foco principal das suas atividades e estudos. "Minhas pesquisas e leituras estão voltadas para a formação deles", afirma. E Marília deixa bem claro: "Aluno é tudo de bom."
A pesquisadora, que atua nas áreas de História do Brasil Colônia e Império, divide-se entre Caxias do Sul, onde passa quatro dias da semana por conta do trabalho e Porto Alegre, onde mora sua família. Em relação a essas idas e vindas, ela se considera "uma nômade do saber". Na sua casa, na capital gaúcha, está concentrado o "lado B" da professora Marília. Seus livros da área de História e Literatura dividem espaço com títulos como anuários de moda, bibliografias sobre estilistas e processos criativos, joalheria básica, entre outros. "O meu plano B é trabalhar com joalheria. Graças a Deus meu ourives entende os desenhos que faço", brinca.
(Texto: Wagner Júnior de Oliveira)
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O texto acima está publicado na quarta edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.