De alimentos a utensílios de decoração, as plantas apresentam uma infinidade de utilizações. A abundância na natureza ajuda a explicar a diversidade em relação às opções de uso. Para os alunos do curso de Farmácia, no entanto, o contato com os vegetais tem uma finalidade específica: produzir medicamentos ou cosméticos.
Nas aulas de botânica, no segundo semestre, os acadêmicos de Farmácia precisam fazer uma escolha para o restante da graduação: optar por uma planta. Pode parecer simples, mas, por quase cinco anos, os estudantes vão desenvolver estudos e tentar encontrar aplicações para o vegetal selecionado.
No período da escolha, há o desenvolvimento de um trabalho etnofarmacológico, em que os estudantes buscam, no conhecimento do senso comum e nas manifestações populares, ervas utilizadas no dia a dia de pais, familiares e amigos. Dessa forma, erva-mate e guabiju são exemplos de espécies que se tornam comuns, não só na flora local, mas também entre os futuros farmacêuticos. "Normalmente, a seleção etnofarmacológica é comprovada, mas sempre surgem novas perspectivas", explica a professora Melissa Schwanz. Feita a escolha, a planta é levada para a sala de aula. Ali, é analisada e caracterizada.
Após passar pela botânica, a espécie acompanha o aluno pelas disciplinas de Farmacognosia. Nessa etapa, os compostos vegetais, já triturados, são extraídos em processos de dissoluções em substâncias aquosas ou alcoólicas, por exemplo. Dependendo do solvente, o extrato obtido tem uma aplicação específica.
"Os alunos podem utilizar a bibliografia que os auxilia a entender os compostos que querem extrair das plantas e de que forma extraí-los", afirma Melissa, que ministra as disciplinas de Farmacognosia I e II. É durante essa etapa da graduação que os alunos desenvolvem as análises fitoquímicas, o controle de qualidade e descobrem a melhor solução extrativa para determinada planta. O processo de retirada dos compostos é importante nessa fase, porque os fitomedicinais são caracterizados como medicamentos obtidos somente a partir de extratos das plantas.
Conforme a professora, a análise envolve ainda diversos procedimentos que levam em conta a densidade, o pH (grau de acidez) e o estado da amostra. Além disso, dependendo da classificação da planta, o estudante pode aplicar técnicas específicas para a retirada de uma substância. Somente após esse processo de pesquisa, os acadêmicos estão aptos a seguirem para a criação de algum medicamento ou produto farmacêutico.
Nasce um fármacoApós, três semestres trabalhando com pesquisas e na extração de compostos de vegetais, os acadêmicos passam para a disciplina de Cosmetologia. Apesar do nome, durante o período de estudos não são feitos apenas produtos de beleza, conforme explica a professora Valéria Weiss Angeli, que ministra a disciplina. Mas outros fármacos que podem ser utilizados para eliminar bactérias e fungos. Xaropes e cápsulas também já foram criados durante a disciplina.
A estudante de Farmácia, Aline Tomiello, de 27 anos, está no 9º semestre do curso e escolheu a Maria-mole para seu estudo. A planta nativa, cientificamente chamada de Senecio Brasiliensis, é encontrada em grande quantidade pela região. A gama farta na flora local foi a principal motivadora da escolha. Em forma de flor, a Mariamole tem como característica as pétalas amarelas e pode ser encontrada em diversos locais, como nos campos de pastagens.
Para a análise, a estudante precisou fazer a colheita do vegetal num local afastado da cidade. A prática é indicada para que a amostra não esteja contaminada por possíveis resíduos provenientes da poluição urbana. A grande dificuldade de Aline foi em relação à bibliografia. Com poucas referências, ela precisou garimpar por livros e textos que pudessem ajudá- -la a compreender a planta que escolhera.
"Isso dificulta o processo, porque os alunos, quando não encontram fontes precisas sobre as plantas, necessitam desenvolver as próprias investigações sobre a amostra", explica Valéria.
Pela falta de referências, Aline só descobriu que a Maria-mole apresentava características tóxicas, após já ter optado pela espécie. "Precisei me adequar. Não poderia fazer nenhuma medicação que tivesse uma ingestão por via oral", exemplifica a estudante.
Aline ficou sabendo das propriedades tóxicas da Maria-mole ao descobrir que o gado, que faz uso de pastagens, ao consumir o vegetal podia ser levado a óbito. Na investigação, a acadêmica de Farmácia notou que o Alcaloide Pirrolizidínico era encontrado no vegetal. A substância compromete o fígado e até mesmo o pulmão. "Quando ingerido em muita quantidade, leva à morte em pouco tempo", afirma a aluna.
Apesar da adversidade, Aline continuou trabalhando com a Maria-mole. Além do Alcaloide Pirrolizidínico, ela descobriu flavonoides e outras substâncias que ativam a circulação periférica e possuem ação anti-inflamatória e antibacteriana. Então, ela passou a coletar extratos da planta, adicionou a eles ceras, emulsionantes e emolientes, para dar base ao produto farmacêutico. Aline levou a mistura ao aquecimento e acrescentou também conservantes e antioxidantes. A partir da composição, a acadêmica criou um creme para massagens e um unguento " pomada formada à base de gordura e que também apresenta finalidades massoterapêuticas.
"A experiência foi bem interessante, porque possibilitou um contato bem próximo com a planta que escolhemos", conclui a estudante.
(Texto: Vagner Espeiorin, Fotos: Daniela Schiavo)
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O texto acima está publicado na sétima edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.