A cidade é um espaço de trocas constantes, em que se agregam num mesmo contexto transformações políticas, econômicas e sociais. Nesse universo efervescente, o meio urbano exige um conjunto de ações que vai da melhoria da infraestrutura à organização de um sistema que privilegie as manifestações culturais e coletivas.
As grandes transformações contemporâneas exigem um cenário urbano. Foi assim com a Revolução Burguesa que tomou Paris no século XVIII e que inaugurou uma nova formatação econômica e política no mundo. O Brasil, pontualmente, vai atribuir um protagonismo à cidade a partir do fim da República Café com Leite, quando a política ruralista sai de cena para o surgimento de uma política industrial.
Em termos locais, Caxias do Sul vai experimentar, em três momentos distintos, os processos de modernização da indústria, que promoveram alterações urbanas significativas. De acordo com a coordenadora do curso de Sociologia, professora Vania Beatriz Herédia, nos anos de 1930, a cidade passa pelo início do processo da industrialização tradicional.
Duas décadas depois, há o estímulo da passagem de um modelo tradicional para um dinâmico, baseada no desenvolvimentismo. Já a partir de 1990, a indústria começa a se automatizar e ganha em processos de inovação tecnológica, prática exigida pelo modelo neoliberal. Atualmente, o apelo social passa por estratégias que possibilitem mais humanidade à cidade, com políticas direcionadas à mobilidade urbana e à preservação ambiental.
"À medida que a cidade cresceu economicamente, os espaços urbanos não foram planejados. Hoje, há graves problemas urbanos, tanto em infraestrutura como na vida social", considera a professora. Essa dificuldade se verifica muito além das fronteiras regionais. Na Universidade de Caxias do Sul, a busca por novas fórmulas que diminuam os problemas que assolam as cidades movimentam projetos que vão da pesquisa à extensão.
Coordenador do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar em Sustentabilidade, o professor Adir Ubaldo Rech estuda como as normas e a legislação podem colaborar para tornar as cidades sustentáveis. Para o pesquisador, no entanto, o cenário apresenta algumas discrepâncias. "O direito urbanístico tem como objetivo a locação imobiliária, quando deveria privilegiar a qualidade de vida", afirma categoricamente.
Para que aconteça a inversão de prioridades apontada por Rech, seria necessário mudar o paradigma que hoje assola a mobilidade nas cidades. "Temos que garantir mais espaços para o transporte coletivo e diminuir o uso do carro", aponta o professor, lembrando que a estratégia iria reduzir o grande fluxo de veículos nos centros urbanos.
O núcleo coordenado por ele agrega diversas pesquisas com professores de diferentes áreas do conhecimento. Da arquitetura à economia, o grupo pretende produzir o conhecimento de forma interdisciplinar, mas sempre relacionado às práticas sustentáveis. O meio ambiente é visto, desse modo, como plataforma para o desenvolvimento urbano. "O problema urbano não se resolve por meio de questões específicas, mas por um conjunto de conhecimentos", defende.
Conforme Rech, há uma preocupação especial em relação a temas como a sustentabilidade e a segurança jurídica. A especulação imobiliária - comum em cidades que experimentam acentuado crescimento - acaba pressionando a estrutura pública para que haja a modificação ou a alteração da legislação.
O Plano Diretor - principal normatização municipal em matéria de organização do espaço urbano - não privilegia a manutenção da biodiversidade. Ao invés de estimular a interligação de zonas verdes, as políticas públicas acabam criando áreas isoladas que pouco ajudam em processos como o escoamento das águas das chuvas.
"Os espaço da biodiversidade são definidos durante o parcelamento do solo, enquanto deveriam ser determinados antes", alerta o professor.
Para concretizar essa proposta, as cidades precisariam fazer o Zoneamento Ambiental antes do Plano Diretor. Prática que não é comum entre os legisladores. Nessa ordem, ficaria mais fácil trabalhar a preservação ambiental. Para Rech, o Mato Sartori, em Caxias do Sul, é um exemplo de ação bem-sucedida nesse aspecto, mas a cidade precisaria de mais unidades com bom potencial de preservação. Está colocado o desafio.
Nasce uma metrópoleA Região Metropolitana da Serra gaúcha foi criada em 2013 e reúne 13 municípios. Nascida a partir da Aglomeração Urbana do Nordeste (AUNe), ela exige que as cidades passem a ser pensadas em seu conjunto e de forma estrutural para atender a uma demanda com alta concentração populacional.
A partir das novas possibilidades, o Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar em Sustentabilidade pensa, para o próximo ano, desenvolver estudos simultâneos, em diferentes áreas do conhecimento, para tratar do tema emergente.
Pesquisador do núcleo, o professor de Arquitetura e Urbanismo, Carlos Eduardo Pedone, ficará responsável por atuar sobre aspectos técnicos urbanísticos que envolvem a região. Ele já desenvolve, juntamente com a AUNe, um projeto de extensão relacionado à Cartografia Regional. O convênio agrega, ao todo, 14 municípios.
"Os mapas da região são ainda bastante precários, baseados em cartas do Exército ou relacionados à área ambiental", explica. Pares Estereoscópicos - imagens de satélite em alta resolução - foram obtidos por meio da captura de diferentes ângulos do terreno. Com a tecnologia, pode-se gerar um modelo digital, com características precisas do relevo.
Com a atualização da cartografia, será possível obter um mapeamento mais eficaz da região que agora se ensaia metropolitana. Conforme Pedone, com a nova característica, Caxias do Sul e os demais municípios terão outros instrumentos para o planejamento urbano e poderão desenvolver consórcios mais efetivos entre os entes públicos. "Certamente se terá mais autonomia, com mais recursos disponíveis para projetos e por consequência com mais verbas", afirma.
Territórios que se cruzamPor dentro de uma cidade, circulam diferentes territorialidades. "O centro de Gramado, por exemplo, apresenta uma territorialidade turística muito mais forte do que a própria territorialidade urbana", pontua o professor do Programa de Pós-graduação em Turismo Pedro de Alcântara Bittencourt César, ao exemplificar como a atividade econômica que envolve o fluxo de pessoas tem predominância na cidade da região das Hortênsias.
Arquiteto e doutor em Geografia, o pesquisador busca entender como se estabelecem as relações turísticas dentro do espaço urbano. Levando em conta Caxias do Sul, ele investiga como o mapa de visitação da cidade se integra com as demais redes de serviços.
Alguns apontamentos já se observam com a pesquisa. Em Caxias do Sul, por ter um foco em negócios, o turismo se dá de forma efêmera, compartilhando a estrutura usada também pela população. "O turista de negócios não sabe que é turista. Não se vê como turista, mas ele, mesmo que por pouco tempo, faz parte da cidade", reforça.
Ao comparar o mapa de restaurantes com o das indústrias, Pedro Bittencourt César percebeu que muitos estabelecimentos de alimentação se localizam na Perimetral Norte. "Ali se situa boa parte das empresas de pequeno porte também. Isso indica que há uma demanda bastante forte por esse tipo de comércio na cidade", acentua.
Apesar do turismo de negócios estar muito enraizado na cultura de visitação de Caxias do Sul, outras possibilidades também se verificam. Historicamente, a cidade tem suas bases na cultura italiana e é justamente ela um dos símbolos dessa manifestação que mais recebe fluxo de visitantes. Entre os atrativos locais, os Pavilhões da Festa da Uva recebem o maior número de turistas anualmente. Na segunda posição está o Campus da UCS.
Conforme o pesquisador, que há cinco anos mora em Caxias do Sul, a Serra gaúcha e seu complexo urbano e rural são grandes laboratórios para os estudos em turismo. "Aqui entendemos muito das transformações em turismo. A Serra gaúcha consegue vender uma imagem muito boa. Mas o turismo não anda sozinho, ele precisa de outras transformações que envolvem desde cultura à infraestrutura", finaliza.
O Instituto de Administração Municipal (IAM) é elo de articulação entre a Universidade e os Poderes Públicos. Temas relacionados ao planejamento urbano e à gestão pública são exemplos de parcerias concretizadas por meio da prestação de consultorias, assessorias técnicas, ou cursos de capacitação.
A secretária executiva do IAM, Maria do Carmo Quissini, explica que, em 2005, o Estatuto da Cidade exigiu a elaboração de planos diretores para municípios com mais de 20 mil habitantes. Isso representou uma ampliação das consultorias na área do planejamento urbano. À época, as Prefeituras e as Câmaras de Vereadores precisavam adequar os Planos Diretores ao Estatuto da Cidade. "A atualização legislativa é importante aos municípios e precisa ser feito num prazo adequado", relaciona.
As ações do IAM também ajudam a estreitar a distância entre a produção científica e a comunidade. "Nos tornamos articuladores de demandas públicas trazidas pelas cidades. Buscamos soluções dentro das demais unidades universitárias e levamos aos municípios inovações criadas na Instituição", detalha.
Tais ações são direcionadas também para ampliar os conhecimentos dos alunos envolvidos com as temáticas dos projetos. Os professores que atuam com as prefeituras buscam envolver os acadêmicos nas atividades, reforçando a missão da UCS de socializar o conhecimento. Ao mesmo tempo, a atuação prática possibilita a aplicação dos conteúdos vistos na teoria.
"O sentido de atuar na prestação de consultorias ou assessorias está em poder aliar o ensino, a pesquisa e a extensão, envolvendo professores, pesquisadores e estudantes. A Universidade não é uma prestadora de serviços pura e simplesmente; é uma Instituição de Ensino Superior que presta serviços aliando o ensino, a pesquisa e a extensão. Este é um grande diferencial em relação às contratações puramente empresariais", argumenta Maria do Carmo.
(Texto: Vagner Espeiorin)
Na primeira metade do século XX, o trem era o principal modal de transporte da região. Foi por meio dos trilhos que os municípios da Serra gaúcha se desenvolveram. Após desativado por um longo tempo, o trem volta a ser pauta do interesse da região.
Desde 2008, por meio da ação do Ministério do Transporte, entidades locais se dedicam na viabilização da retomada do trem entre Caxias do Sul e Bento Gonçalves.
A AUNe também colabora com o debate. Exemplo dessa atuação, dois Seminários foram promovidos em parceria com outras entidades, como a CIC, em 2008 e 2010. Mais recentemente, uma audiência pública mostrou alguns resultados preliminares de como seria o novo modelo ferroviário.
"Em média, o trem terá uma velocidade máxima de 80Km/h. O diferencial seria a regularidade e o valor que tende a ser mais barato, devido aos subsídios", explica Pedone.
Conforme ele, o traçado da ferrovia se daria em dois ramais. O primeiro ligaria Caxias do Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves; o segundo faria a conexão entre Bento Gonçalves, Carlos Barbosa e Garibaldi. A medida ajudaria a desafogar o trânsito das cidades e incentivaria um novo modelo de deslocamento, baseado no transporte coletivo.
"Acredito que seria uma boa solução e que faz muito sentido para um região metropolitana", acrescenta Pedone.
Revista UCS - Publicação da Universidade de Caxias do Sul, de caráter jornalístico para divulgação das ações e finalidades institucionais, aprofundando os temas que mobilizam a comunidade acadêmica e evidenciam o papel de uma Instituição de Ensino Superior.
O texto acima está publicado na oitava edição da Revista UCS que já está sendo distribuída nos campi e núcleos.