"O prazer e o poder de escrever". Leia a entrevista com o professor Edvaldo Pereira Lima.
O jornalista e pós-doutor em Educação
Edvaldo Pereira Lima participou da aula de início
de semestre dos cursos de
Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas, no
dia 4 de abril. Co-fundador e professor da
Academia Brasileira de
Jornalismo Literário, ele falou sobre "Narrativas Transformadoras: os desafios do
século XXI".
A jornalista Domenique Pastore Grigolo, do Setor de
Imprensa da UCS, participou da aula e conversou com o professor
Edvaldo Pereira Lima. Veja como foi a conversa.
O senhor tem um método chamado Escrita Total. Como é que ele
funciona, para quem é direcionado, quais são os objetivos básicos?
"O Escrita Total tem como principal objetivo
ajudar as pessoas a recuperar ou potencializar o prazer de
escrever.
Muitas vezes, por distorções involuntárias do sistema
educacional, as pessoas têm dificuldade para escrever, com uma
certa ojeriza até do
escrever. Então o método é baseado numa atitude bastante
intuitiva e,
ao mesmo tempo, sustentado em estudos de ponta em algumas
áreas da
ciência. Ele volta a trazer esse prazer pra pessoa ou
amplia se a
pessoa já tem, torna o texto mais criativo, mais eficaz e é
também um
instrumento que tem alguns efeitos secundários bastante
positivos.
Primeiro, ele é uma forma também de autoconhecimento, uma forma
de
ampliação da consciência de si mesmo; e segundo, o método tem
apresentado uma certa função terapêutica, não no sentido
da
psicanálise ou de um atendimento psicológico, mas no sentido de
ajudar
a esclarecer os seus próprios processos internos. Além disso,
ele
estimula que a escrita seja cada vez mais focada no estilo do
indivíduo, na natureza de cada pessoa, na particularidade
de cada um,
mas que isso venha à luz em forma de texto, de maneira
expressiva,
estética e agradável pra quem vai ler, e de maneira altamente
gratificante pra quem faz.
Todo mundo pode escrever, desde que a pessoa tenha um padrão
cultural
médio pra cima. Esse método, que foi transformado em livro, eu
desenvolvi na Universidade de São Paulo durante um tempo, nas
minhas
aulas de pós-graduação principalmente. Porque nas aulas de
pós-graduação, geralmente meus alunos eram jornalistas
profissionais,
e o jornalista escreve todo dia. Mas acontece que, na maior
parte das
vezes, ele escreve de uma certa maneira, quem é da
área sabe que tem o lead, a pirâmide invertida, todos
esses recursos, e se você pratica
isso durante muito tempo, se torna viciado naquela forma de
escrever e
quando é necessário produzir textos diferentes, mais criativos,
está
enferrujado. Então, como eu ensino jornalismo literário, que é
uma
forma de jornalismo diferente do jornalismo do dia a dia, eu
precisava
que os alunos, não somente entendessem o jornalismo literário,
mas
também produzissem textos mais elaborados e eles
encontravam uma
dificuldade pra isso, mesmo sendo jornalistas. A tarefa, então,
foi
estimulá-los, foi criar um instrumento que tirasse esse
bloqueio
deles. E deu certo. O método foi bem sucedido e eu não queria
que isso
ficasse restrito à Universidade. Então eu resolvi experimentar e
adaptar o método pra pessoas dos mais diferentes tipos, desde
adolescentes, que estão às voltas com exames que exijem
redação, até
pessoas da terceira idade, que queriam relembrar da sua vida,
escrever
suas memórias. Essa experimentação teve resultados muito
surpreendentes e positivos e o método foi se consolidando,
até que eu
resolvi colocá-lo em forma de livro em 2009".
Uma das suas áreas de atuação é o
jornalismo literário. Como o
senhor vê o cenário dessa área no Brasil e a hibridização dessas
linguagens?
"O jornalismo literário como prática
jornalística diferente
do jornalismo do dia a dia, não é novo, ele existe desde o final do
século XIX.
Na verdade, quando surgiu o jornalismo moderno, um
jornalismo mais da notícia, do factual, também surgiu o
jornalismo
literário em paralelo, só que um acabou predominando e outro
ficou em
segundo plano. Então, em alguns momentos da história se
recupera o
valor do jornalismo literário. E eles funcionam muito bem
juntos
porque o jornalismo do dia a dia tem um papel importante, um
papel de
informar, de colocar as pessoas em contato com o que está
acontecendo
no mundo; enquanto o jornalismo literário tem outro papel,
que é o de
aprofundar, de contextualizar e, principalmente, humanizar,
colocando
as pessoas em primeiro plano, mas o conteúdo também é factual,
é real,
porque o jornalismo literário não admite ficcionalização, nem
invenções, apenas se aplica as técnicas da narrativa literária.
Então
no lugar de um lead, você tem um recurso literário chamado
cena, em
que não se conta simplesmente o que aconteceu, mas se
contextualiza e
mostra a situação.
O objetivo do jornalismo literário não é
somente
passar a informação, o que o jornalismo diário faz
muito bem,o
objetivo é dar ao leitor uma compreensão aprofundada de
uma situação,
de uma realidade, e, ao mesmo tempo, transmitir ao leitor uma
vivência
simbólica daquele universo. Um exemplo é uma reportagem de uma
gaúcha
que pratica um jornalismo literário de primeiríssima qualidade no
Brasil, que é a Eliane Brum. Ela foi pra uma casa de repouso, a
matéria dela era sobre esse lugar, só que como ela é uma
excelente profissional e utiliza a narrativa literária, o leitor
acaba tendo uma
experiência de como se tivesse ido junto com ela lá.
Isso é que é o
mais legal do jornalismo literário, porque ele funciona como um
embaixador do leitor, permitindo que se vivencie,
simbolicamente pelo
menos, muitas experiências de vida".
A sociedade está vivendo um momento
no qual a internet exerce um
papel importante na vida das pessoas. Como o senhor percebe a
escrita
na internet?
"Eu acho que, de uma maneira básica, se escreve muito
mais no
Brasil hoje e se lê muito mais também. Até um certo tempo
atrás, os
intelectuais, principalmente, gostavam de dizer que o Brasil é
um país
que não lê. Mas a gente tem que colocar isso em questionamento,
porque
se você olhar a produção de livros no Brasil, nos últimos anos,
tem
aumentado numa velocidade incrível e a quantidade de gente no
Brasil
que lê 2 ou 3 livros por ano já é maior do que todo o mercado
editorial da Itália. É claro que a população brasileira é
muito grande
e a maioria não lê, mas a minoria que lê, lê bastante. Então se
escreve muito no Brasil e se lê todos os tipos de coisas. A
internet e
as mídias sociais são formas também de produção,
elas não devem ser
crucificadas porque muitos jovens estão descobrindo o prazer de
escrever por meio dos blogs, mesmo que o português não seja
muito bom
e o vocabulário seja limitado, é um começo. E desse conteúdo
tem
surgido muita coisa boa com as novas gerações.
O importante é
descobrir a vontade de se comunicar por escrito, o prazer e o
poder
que é isso. Então eu acho que é muito bom, hoje há muitos
incentivos
para a publicação de livros no Brasil, aqui no Sul por exemplo,
as
iniciativas que existem de festivais de literatura importantes,
inclusive no interior do Rio Grande do Sul. Todos esses
fatores
mostram que há uma riqueza no Brasil da produção de textos
escritos de
todos os tipos. E quando as pessoas criam seus blogs, por
exemplo,
isso demonstra uma vontade, uma necessidade social, que às vezes,
a
mídia formal não está aproveitando.
Quem cria um blog quer
contar suas
histórias, compartilhar suas visões de mundo, são pessoas que
muitas
vezes a mídia desprezou. Quando nós tínhamos uma mídia mais
concentrada, como é a mídia tradicional, em poder de poucas mãos
e a
serviço de pouca gente, uma gama de pessoas que têm histórias
pra
contar ficou à margem. Então essas pessoas estão aproveitando
esses
caminhos que hoje são oferecidos. Eu vejo, em princípio, com bons
olhos, porque todas essas formas multiplicadoras do processo de
comunicação são saudáveis. É evidente que em tudo que aparece
em
grande quantidade podem surgir exageros, coisas não muito
legais, mas
a sociedade se encarrega de selecionar".
Baseado na sua experiência como
comunicador e docente, quais dicas
o senhor poderia dar para os acadêmicos dos cursos de
comunicação, os
futuros comunicadores?
"O melhor comunicador possível, em todas as áreas, o melhor
potencial está em duas coisas no momento atual: a primeira é
usar
todas as maneiras de comunicação que existem para privilegiar,
tanto
quanto possível, a arte de contar histórias. Sempre que puder,
conte
uma história real, porque o contar histórias é a forma mais
antiga que
a humanidade criou e a mais eficiente, porque ela é orgânica,
é
natural, todos nós contamos histórias o tempo todo. Então a
história
trabalhada artisticamente, de forma profissional na comunicação,
produz um contato com o receptor muito melhor. A segunda
coisa é
entender que o papel do comunicador não é, infelizmente,
um papel que
está muito presente na maior parte da mídia tradicional,
pois o
profissional passa a ser, nada mais nada menos, que um
mensageiro de
luxo dos donos do poder, dando recados a favor dos outros.
Mas o nosso
papel como comunicadores é muito mais nobre que isso.
Nós somos
responsáveis por fazer a humanidade caminhar, descobrir novas
coisas,
comunicar novas coisas, compartilhar novas descobertas,
novos achados.
E nós estamos vivendo um momento em que a humanidade
precisa muito
disso. As formas de civilização que são do passado estão
estagnadas e
estão trazendo resultados muito nocivos. Nós chegamos numa
ponta em
que os efeitos colaterais negativos da civilização estão
aparecendo.
Por isso, há a necessidade de uma transformação de consciência
e quem
pode ajudar isso a acontecer e, de uma maneira muito intensa, é o
comunicador, porque a comunicação é para as pessoas.
Em
lugar de achar
que o nosso papel é apenas dar recados para os outros, devemos
descobrir a realidade, ajudar as pessoas a abrirem a consciência
para
novas maneiras de compreensão do real, para só então a
humanidade
poder dar um salto de qualidade".
Foto: Rodrigo Onzi, aluno do curso de Fotografia - Portal Frispit
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