Paulo Ribeiro concedeu entrevista a Melina Zanotto, acadêmica do curso de Jornalismo e bolsista do Site da UCS,
por ocasião da sua indicação a patrono da Feira do Livro de Bom Jesus, no ano de 2003.
UCSite: Dentre os livros que o senhor leu, existe algum que o
marcou, despertando-lhe a vontade de escrever? Com que
idade o senhor publicou seu primeiro texto?
Ribeiro: O primeiro livro que li foi Meu pé de laranja lima,
de José Mauro de Vasconcelos, e até hoje aquela história
povoa a imaginação do menino que ainda sobrevive em mim.
O incentivo à leitura tive principalmente de uma
professora chamada Eny Tregnago Saraiva. Ela alcançava
livros ao seu filho Heleno, que relutava para ler.
Numa espécie de saudável “chantagem”, ela então me
emprestava os livros para despertar o gosto no filho.
Foi assim que li O prisioneiro da montanha, de
Fidélis Dalcin Barbosa, e depois não larguei mais.
Quanto à obra que despertou o escritor, foi Grande
sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Eu era
office-boy do Banrisul e gastava toda a minha grana
em livros. A livraria de Bom Jesus era muito modesta
e era preciso mandar buscar os livros pelo reembolso
postal. O Seu Joaldo Gomes, gerente dos correios, um
dia chegou a me dizer: guri, quem mais gasta com
livros em Bom Jesus é você!
E foi num desses pedidos no escuro, sem orientação
alguma, que mandei certa vez, em meio aos best-sellers
do tipo, O Incêndio na torre ou Krammer versus
Krammer, o Grande sertão: veredas. Quando comecei
as primeiras linhas caí pra trás. Aquilo eu nunca
tinha lido, era diferente, estupendo! Eu quase não
entendia nada, mas era demais. Fechava o livro e
pensava: não é possível! Como esse cara escreveu isto?
Acho que foi ali que saí das redações de sala de aula e
comecei a enxergar a imaginação dando voz narrativa e
que eu queria, aí sim, fazer igual. Seguir o modelo.
Foi numa fase, paradoxalmente, em que eu lia e decorava
os poemas, uns sonetinhos do Vinícius de Moraes.
Mas, mais adiante, descobri o Ulisses, de James
Joyce, aí sim, já com segundas intenções, com o faro
apurado, quando já tinha decidido que gostaria de
escrever profissionalmente. O Ulisses fui comprar
numa edição em Lisboa, mas a tradução era de um
brasileiro, do Antônio Houaiss. Foi também, engraçado,
foi quando descobri o Brasil. Eu tinha ido embora e
precisava voltar. Quem tinha traduzido aquele monumento
era um brasileiro e eu trocara o Brasil por Portugal.
Voltei em seguida.
E foi em Portugal que publiquei meu primeiro texto,
a sério, no Diário de Lisboa, um artigo intitulado
Muda Brasil com Tancredo Neves. Ao fim, quem mudou
foi o Tancredo mesmo, daqui para outra, mas foi o
meu primeiro às ganhas mesmo, foi em Lisboa que
estreei. Antes, tive poemas em concursos, mas aí
não contam, nem aqueles que escrevi nos cadernos da
Stella, minha colega de aula.
UCSite: Que obras o senhor considera indispensáveis para a
leitura dos estudantes? Qual sua opinião sobre o
hábito de leitura entre os universitários,
independente de sua área de formação?
Ribeiro: Depende. Estudante de quê? Se for um estudante
de medicina, os tratados, do Guyton. De história,
a História Universal, de Wells. Para o estudante de jornalismo,
sem dúvida,
Chatô, de Fernando Morais. Está tudo ali: a história
do jornalismo brasileiro, a história do Brasil, a
história da política brasileira no século passado,
e a história de um sujeito inescrupuloso e que, ao
mesmo tempo, foi o maior empresário da comunicação
no país. É imprescindível. Quanto ao hábito de leitura:
eu não tenho dúvida que um estudante de medicina lê o
Guyton. Mas temo que alunos de jornalismo possam
terminar o curso sem encarar o Chatô.
UCSite: O senhor foi indicado, pela segunda vez, como patrono
da Feira do Livro de Bom Jesus, sua cidade natal. Qual
a importância deste prêmio e qual espaço que Bom Jesus
ocupa na sua atividade literária?
Ribeiro: A importância é que
mesmo se sentindo em casa, dá um calorão e um frio na
barriga. É muito comovente ver o teu lugar reconhecer
e dizer que tem orgulho das coisas que você tem se
esforçado pra fazer. Eles me conhecem muito bem,
sabem das pedras do beco de onde saí. Por isso...
Acho que eles me escolheram exatamente porque Bom
Jesus tem ocupado um espaço até demasiado nos meus
textos. Alguns acham exagero, mas o que fazer?
Minha seiva está lá e tenho muito apego e amor pela
minha Bonja mesmo.
UCSite: Qual atividade lhe dá mais prazer: atuar como
professor, escritor, cronista ou jornalista?
Ribeiro:Todas as atividades envolvem um processo de construção
que é a articulação de um discurso, uma narrativa
articulada, seja ela de forma oral ou escrita.
Jornalismo e literatura ficam nesta fronteira tênue,
o processo tanto em jornal como em literatura é o
mesmo: você é um escritor. E o professor é um
escritor que narra oralmente, pelo menos no meu
caso. E por isso, posso estar dando uma aula da
mesma forma que termino o capítulo de um livro. A
aula é um texto de não ficção, mas é também a
articulação de um discurso, oral ou escrito. O
bom disso é que posso ter o meu ganha-pão aliado
ao prazer de fazer aquilo que se gosta. Eu posso
dizer que atuo com as coisas que gosto.
UCSite: Com cinco obras publicadas, além de diversos artigos
e crônicas na imprensa, qual a sua principal intenção
ao escrever?
Ribeiro: Não há intenção. Acho que é o que eu sei
fazer de melhor. Tanto que há muito desisti de ser
bancário. Não me sentia nada bem com números, com o
dinheiro. Fugi para as letras, fui ser poeta na vida.
Concretamente: vendi uma moto comprada com o dinheiro
do banco e até hoje ando a pé.
UCSite: De onde vem a sua inspiração para as crônicas semanais,
textos, artigos e livros? Os leitores costumam procurá-lo
para comentar seus textos? Que dicas o senhor daria aos
interessados em atuar na área literária e/ou jornalística?
Ribeiro:A inspiração vem do relógio. Deixo sempre pra última hora
e depois, como tenho um editor muito severo, Gilberto
Blume, que cobra mesmo o horário de baixar os textos,
entro em pânico e corro para os meus arquivos de
Bom Jesus, ou para a memória pessoal, e escrevo num
átimo. As crônicas saem em 15, 20 minutos. Sempre assim,
meio em pânico. Os assuntos do dia-a-dia, como são
crônicas semanais, não me interessam tanto. Penso,
outros já disseram, não vou chover no molhado. Fico
sempre com a nítida impressão de que, se escrevesse
crônicas diárias, seria até mais fácil de conceber.
Crônicas originais são um parto, meio estilo literário,
como procuro fazer. E o mestre nisso foi o Rubem Braga.
Com relação à troca de experiência entre o colunista e
o leitor acho que se dá apenas na leitura do jornal mesmo.
Dificilmente recebo e-mails ou cartas comentando as
crônicas. Não sei se porque concordam ou estão bem
escritas, ou porque tenho poucos leitores mesmo.
Agora, uma crônica em que externei meu pesar com a
morte de minha mãe, aí sim. O computador ficou cheio
de retornos. Era mais solidariedade, mas muitos
falando do texto. Acho que foi a melhor crônica que
escrevi mesmo. Foi puro coração.
Não sendo conselho, o que eu diria
para o estudante da área de jornalismo é o seguinte: a
chave de tudo, seja em rádio, televisão, jornalismo
on-line, ou de papel, o segredo, o diferencial é a
leitura. É a leitura que faz você pensar bem, com
argumentos, dá conteúdo. E também a leitura dá
articulação ao pensamento e à escrita. O texto é
a base de todas as mídias, é o processo inicial de
tudo. Mesmo Pedro Bial, que aparentemente vive pra
lá e pra cá, lê pra caramba. É por isso que conquistou
o espaço que tem. É a leitura, não há dúvida. E é bom
se começar pelo Ruy Castro, Estrela Solitária, ou
vai direto pro Chatô. Comece um Chatô e depois volte
a escrever. Duvido que não note a diferença, para
melhor, no seu texto. Aliado a isso, no meu caso,
o que sempre me ajudou muito a escrever foi seguir
um conselho de Hemingway, observar pinturas. Os
clássicos mesmo, Brueghel, até o Iberê Camargo, como
fiz. Desperta a imaginação.
Fotos: Gustavo Bottega, acadêmico do curso de Jornalismo.
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